A proposta de Ley orgánica de amnistía para la normalización institucional, política y social en Cataluña, apresentada pelo PSOE na semana passada, foi a condição necessária para o voto dos independentistas catalães a favor da investidura de Sánchez. A redação é particularmente cuidada com uma justificação política da dissidência jurídica, construindo um direito antitético a violar a ordem jurídica: “en nuestro ordenamiento constitucional no tiene cabida un modelo de democracia militante, esto es, un modelo en el que se imponga no ya el respeto, sino la adhesión positiva al ordenamiento. […] es el Derecho el que está al servicio de la sociedad y no al contrario, y que por tanto este debe tener la capacidad de actualizarse adaptándose al contexto de cada momento.”
O texto da proposta de lei de amnistia faz um apelo legitimador ao Direito Internacional Público, referindo acordos de extradição, muitos dos quais bilaterais (e que regulam as consequências de amnistias) com um particular ênfase no Direito da União Europeia e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O direito comparado é também convocado com referência à recente amnistia celebratória em Portugal quando o termo de comparação, a existir, seria a Lei 9/96 (amnistia às infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991).
A proposta de lei de amnistia aplica-se aos independentistas mas também às forças de segurança acusadas da prática de violações de direitos fundamentais daqueles. Em contas redondas os primeiros serão cerca de 300 e os segundos perto de 70. Como limites negativos dos ilícitos amnistiáveis estabelecem-se o terrorismo e a tortura e mantém-se o direito de acção para reivindicar indemnizações cíveis pela violação de direitos.
Como se explica no preâmbulo da lei, a suposta inconstitucionalidade das amnistias à luz da Constituição espanhola de 1978 é dificilmente concebível: “Parece razonable entender que el constituyente de 1978 no prohibió la institución de la amnistía porque, entre otras razones, ello hubiera implicado la derogación del ya mencionado Real Decreto-ley 10/1976, de 30 de julio, y la Ley 46/1977, de 15 de octubre, que constituyeron el punto de partida del pacto constitucional y sin las cuales no hubiera sido posible la Transición Democrática ni el amplio consenso parlamentario y social que avalaron e hicieron posible que la Constitución española de 1978 viera la luz.” A amnistia de 1976 foi parcial, aplicável aos presos e sem reintegração dos militares amnistiados, já a de 1978 foi geral. Esta gerou o problema da não punibilidade dos crimes praticados até 15 de Junho de 1977, mesmo quando alguns deles não prescrevem na ordem jurídica internacional. A revogação das leis de amnistia não permitiria aplicar retroactivamente a lei nova, mais desfavorável aos arguidos. A discussão destes temas foi particularmente viva quando o juiz Garzón tentou punir vários crimes do franquismo.
No caso espanhol a amnistia suscita uma dificuldade adicional resultante do colocar em causa a unidade do Estado. Pode o Estado unitário amnistiar os crimes que puseram em causa a sua existência? Em Portugal o Tribunal Constitucional, a propósito da Lei 9/96 e sem referir o separatismo, considerou que o poder político é livre de descriminalizar condutas passadas, sem ter em conta os fins das penas e considerando que as características de generalidade, abstracção e não retroactividade são derrogáveis no caso da amnistia.
Já em Espanha os protestos contra a lei de amnistia por muitos juízes, invocando uma suposta violação da separação de poderes, esquecem que a sujeição do poder judicial à lei incluirá a lei da amnistia se e quando esta for aprovada e que a mesma pode ser objecto de juízos e inconstitucionalidade.
Já no domínio do oportunismo político assistimos ao fazer da necessidade uma virtude.