Tornámos a sociedade efémera.
Damos demasiado ênfase permanente a situações que podem, por vários factores, mudar em momentos, horas ou poucos dias.
Com esta garantia de nada, desacreditamos a palavra dita. O compromisso.
Em tudo na vida, o que hoje é certo amanhã pode deixar de ser.
Quem cá está hoje, sabemos, pode não estar amanhã inclusive. E devemos ter cautela nas eternidades que assumimos e nas garantias que defendemos em público.
Devemos preservar a capacidade de moderar o discurso. Ser mais racional e menos emocial acaba por moderar quem nos rodeia. Quer nas expectativas, quer nas atitudes. A classe política parece que descacreditou nisto e preferiu o caminho populista e fácil.
Há vários casos, em variadas áreas, que comprovam que a cautela deve regressar em força às nossas vidas. Desde logo, recordar uma pandemia que demonstrou que tudo muda, mesmo tudo, em semanas. Que do nada é possível o mundo parar e nós termos de adaptar tudo o que era consagrado, assente na sociedade e norma do dia-a-dia moderno.
Mas, menos pesado para a saúde pública, mas cada vez mais duro para a legitimidade democrática e credibilidade das instituições, há várias cautelas que estamos a deixar de ter.
O ataque gratuito à credibilidade das instituições democráticas também surge de dentro. A falta de cautela de vários Governantes portugueses ficou à vista por estes dias e caiu com estrondo durante esta semana.
“A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. E claramente, mesmo que caiba à justiça julgar o que levou à demissão de mais um Primeiro-ministro português, o que fica na retina de todos é que ninguém acredita que este caso pareça carregado de honestidade por parte da maioria dos seus intervenientes.
Este caso que levou à demissão de António Costa é mais um prego no caixão da democracia.
Todas as alturas para atacar a democracia são más. Mas face ao descrédito que vivemos sobre a classe política, este novo caso de crise política aparece em má altura.
Apareceu quando mais precisamos de bons exemplos. Quando melhor governantes deveremos atrair para resolver problemas estruturais do país. Quando os portugueses menos esperança têm na classe política.
Uma crise política que prejudica-nos mais do que mero facto de voltarmos a ter eleições antecipadas. Que é bem mais que uma hipotética não aprovação de um Orçamento de Estado e uma gestão em duodécimos. Que é bem mais que os gastos que teremos num novo processo eleitoral. Que é bem mais grave do que a mudança (ou não) de partido maioritário de Governo… Prejudica-nos porque vai dar menos confiança a todos os portugueses nos governantes e nos Governos que tenhamos.
São imensos “casos e casinhos”. Suspeitas. Insinuções de corrupção. Esquemas estranhos. Conversações vindas a público que denotam falta de sentido de Estado.
Em suma: Muita vergonha alheia e muita falta de cautela.
Mas não é só cá, e o pior é que parece uma pandemia de falta de cautelas.
Assistimos à extrema-direita a Governar Itália com discursos, no mínimo, ausentes de moderação democrática.
Assistimos ao Parlamento Europeu a aprovar uma resolução a declarar a Hungria como um "regime híbrido de autocracia eleitoral" e não uma “democracia”.
Assistimos à passividade política (que contrasta com graves protestos civis nas ruas de Madrid) com que Espanha vê serem aceites amnistias a separatistas catalães, um perdão a dirigentes independentistas que é basicamente uma moeda de troca para validar um Governo de coligação liderado pelo PSOE que perdeu as eleições para o PP.
Isto são exemplos claros de falta de cautela.
Falta de noção de que nem a democracia é um dado adquirido.
“Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”- terá dito Antoine-Laurent de Lavoisier. Será que estamos a transformar, para pior, a democracia que temos?
Não andamos com cautela nenhuma, cá e por aí fora.
Será que estamos perante uma relação da sociedade com a democracia ao jeito de “o último que feche a porta?”.
Fica a clara certeza de que a democracia está a ser gerida sem cautela pelo respeito que devemos preservar pelas instituições democráticas no presente mas, sobretudo, pela relação de esperança que queremos ter para futuro com a democracia.
Se as cautelas estão escassas, que rapidamente venham os caldos de galinha para os políticos e dirigentes. A digestão democrática de tanta má refeição política seguramente agradecerá.