O Orçamento do Estado para 2024 (OE24) foi votado esta terça-feira, na Assembleia da República, tendo sido aprovado pela maioria absoluta do PS a proposta de lei do Governo na generalidade.
Talvez por ter calhado em véspera de feriado, ninguém quis saber.
Talvez pelo PS, que governa, ter maioria absoluta e sozinho conseguir aprovar este documento que nos deveria reger, ninguém quis saber também.
Sem ninguém querer saber, a proposta foi aprovada pela maioria absoluta do PS, os seus 120 deputados.
Houve a abstenção dos deputados únicos do PAN (Inês Sousa Real) e do Livre (Rui Tavares).
As outras forças políticas com assento na Assembleia da República, num total de 108 deputados, o PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e Bloco de Esquerda votaram contra a proposta do Governo.
Para sabermos, a proposta segue agora para discussão na especialidade e irá regressar ao plenário dia 23 de novembro. A votação final está marcada para dia 29 de novembro.
O vazio com que isto passou na vida dos portugueses é assustador. Gostemos de política ou não, a democracia está a ficar distante do foco das pessoas. E quer queiramos, quer não, é através da democracia que podemos (ou não) aprovar medidas que visem melhorar a qualidade de vida, os serviços e o Estado que temos.
Mas é assustador o alheamento dos portugueses sobre este tema. Um Orçamento do Estado é algo que interessa ao país. É onde sabemos o que pode mudar na nossa carteira até. É onde percebemos a estratégia política do país. É onde vislumbramos os acordos de concertação social face ao que os setores defendem versus o que o Governo dispõe a dar.
O país já se resignou ao crescimento da abstenção na nossa democracia. Parece que a abstenção já não assusta nem o poder político. Incrivelmente mau.
Mas sendo prático, até entendo. Entendo que a abstenção não recue porque é visível que na generalidade não mudámos (os intervenientes políticos) nada. Nem na forma como querem chegar aos eleitores, nem o conteúdo poucochinho da política partidária que atrai cada vez menos portugueses e onde as propostas ficam cada vez menos no ouvido. Sobretudo, hoje, é a política do futebol: Se é do Governo o PS vota a favor e a generalidade da oposição vota contra; Se é de qualquer partido da oposição, o PS vota contra, a direita vota contra se for de esquerda e a esquerda vota contra se vier da direita ideológica.
Salientar, na minha opinião, que não há diferença nenhuma entre os partidos fundadores da democracia e aqueles que se auto-apelidam de “novos”. Aliás, há mais casos trazidos a público de purgas, cacicagem e eleições mal explicadas nos ditos “novos partidos” que nos mais antigos todos juntos.
Por isso, lamento aos novos-crentes (que maioritariamente transitaram apenas dos partidos “ditos velhos” para outros “ditos novos” com nova roupagem, tipo aqueles do PSD que foram para a IL e acham que agora são “novos” também), mas não é por haver novos partidos que há um renascer de esperança na nossa democracia partidária.
Porém, sem desfocar, passou um momento importante para o país e, o próprio país, não faz a mínima ideia do que foi aprovado sequer.
Engraçado passarmos mais tempo a ver os resumos dos resumos dos jogos de futebol do que termos um mero resumo de algumas das medidas que este OE24 traz. Creio que seria um “desporto” bem mais culto conhecer o que virá para o SNS do que saber se o golo da equipa X ou Y foi bem ou mal validado pelo VAR.
Acabamos o primeiro momento de discussão do que Portugal deve ter para 2024 sem haver conhecimento público quase disso.
Temos mais de metade do país a apelar por mudanças. Profissionais de Saúde, Profissionais das Forças de Segurança, temas como a Habitação, Educação, tudo sem “definição” de rumo certo.
E no documento que se prevê a estratégia, o investimento e a forma como será feito o caminho… não sabemos quase nada.
De Saúde e Educação já todos sabemos sobre o que se queixam, como queixam, o que há meses pedem ao Governo e o que há anos este Governo não lhes dá. Vejamos outro exemplo, então, para não ser chato.
Temos queixas de falta de execução de quase a totalidade do orçamento para a habitação. Os orçamentos executados em 4 planos de Habitação da Dimensão Resiliência (2021-2026) estão quase a zeros. Falo do Programa de apoio ao acesso à habitação que era de 1 200 milhões de euros, os 775 milhões de euros do Parque Público de Habitação a custos acessíveis, os 375 milhões de euros para Alojamento Estudantil a custo acessível e ainda a bolsa nacional de alojamento urgente e temporário que neste caso nem investimento ainda teve.
Não era útil entendermos em grandes espaços noticiosos o que se passa aqui?
Temos os profissionais da GNR a criticar a ausência de investimento, valorização remuneratória e de carreiras com ameaça de greves.
Não seria interessante entender também aqui o que está a acontecer?
Enfim, temos uma enormidade de situações de queixa e fugimos ao debate das possíveis (ou não) soluções.
Um Orçamento do Estado deve ser um momento grande. Este parece destinado a ser uma coisa menor, uma espécie de OrçaMenos do Estado.
Assim, seguramente, não será fácil retomar a relação entre os eleitores e os decisores políticos. E, saibamos, quem tem de correr atrás é o poder político. Neste caso, mais uma vez, deixaram andar.