A tutela dos interesses difusos, aqueles que dizem respeito a vastos grupos sociais, quando não a toda sociedade, visa proteger, pela ordem enumerada na Constituição da República Portuguesa, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural. A este catálogo há que acrescentar, por impulso do Direito da União Europeia, a defesa da concorrência. Os meios processuais disponíveis vão desde a acção popular de matriz romanística às versões anglo-saxónicas de “class actions” vertidas, tant bien que mal, para os instrumentos jurídicos dos sistemas da família romano-germânica.
Actores processuais são, em Portugal, os cidadãos a título individual ou de forma organizada por via de associações e fundações que tenham no respectivo objecto social a defesa dos direitos em causa, autarquias locais geograficamente afectadas, o Ministério Público e, se houvesse vontade, os órgãos da Administração Pública com competências de protecção e promoção dos direitos referidos. A sociedade civil lusitana é o que é e, do lado dos poderes públicos, há sempre mais que fazer. A única novidade nesta paisagem desoladora é a recente chegada a Portugal de agentes da litigation finance dispostos a financiar a tutela de interesses difusos.
Recentemente a litigância contra o agravar dos efeitos das alterações climáticas tem ocupado a primeira fila do mediatismo processual, centrada na defesa de direitos fundamentais, quer os de base constitucional, quer os assentes em convenções internacionais (com destaque para o Tratado sobre o Funcionamento da UE, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
No outro lado do Atlântico surgiu, no dia 15 de Setembro, uma acção intentada pelo Estado da Califórnia contra a Exxon Mobil, Shell, Chevron, ConocoPhillips, BP e o American Petroleum Institute. Ao contrário do que aconteceria em Portugal, onde a maioria das peças processuais são incompreensíveis para os leigos (e, cada vez mais, também para os professos) o texto californiano foi redigido com o cuidado necessário para poder ser compreendido pelo cidadão comum. E também por essa razão o Estado da Califórnia requer a constituição de um Tribunal de júri.
Há na petição uma forte intertextualidade com as acções por responsabilidade civil dirigidas no passado contra a indústria tabaqueira e mais recentemente contra a indústria farmacêutica: a ocultação deliberada dos malefícios do petróleo por parte da respectiva indústria foi complementado por actividades de Greenwashing senão mesmo de Rainbow Washing. Estas condutas traduzem-se na violação das regras da publicidade e dos deveres de informação para com os consumidores, vertidas no False Advertising Law, Business and Professions Code:
-“misrepresenting and casting doubt on the integrity of scientific information related to climate change”;
-“disseminating and funding the dissemination of information intending to mislead customers, consumers, lawmakers, and the public regarding the known and foreseeable risks of climate change and its consequences that follow from the normal, intended use of fossil fuel products”;
“deceptively marketing their products as environmentally beneficial or benign when in reality those products contribute to climate change and are harmful to the health of the planet and its people.”
“Defendants have engaged in and continue to engage in unlawful, unfair, or fraudulent business acts or practices and unfair, deceptive, untrue, or misleading advertising that constitutes unfair competition as defined in the Unfair Competition Law, Business and Professions Code.”
“The Fossil Fuel Defendants’ wrongful conduct was oppressive, malicious, and fraudulent, in that their conduct was wilful, intentional, and in conscious disregard for the rights of others. Defendants’ conduct was so vile, base, and contemptible that it would be looked down upon and despised by reasonable people, justifying an award of punitive and exemplary damages in an amount subject to proof.”
Mais difícil será provar a factualidade e o nexo de causalidade entre a conduta e os danos: “delaying the development of viable clean energy alternatives by preventing customers, the media, policymakers, and the public from having access to full and accurate information material to their energy purchasing decisions, thereby causing the emission of vast quantities of greenhouse gases into the atmosphere.”
A primeira linha de defesa das petrolíferas passará pela invocação da natureza regulada da respectiva actividade, objecto de licenciamento, fiscalização e tributação, invocando a consequência lógica do argumento do Estado da Califórnia: se a actividade é uma “public nuisance” perigosa para a saúde, vida, propriedade e ecossistemas deveria ter sido proibida pelos poderes públicos.
O Estado da Califórnia pede uma condenação, solidária, das petrolíferas no valor de 2500 dólares por cada violação das normas invocadas e “punitive and exemplary damages”, incluindo os danos futuros, com as indemnizações a alimentarem um fundo de compensação ambiental a ser criado.