Atualmente os algoritmos gerados pela tecnologia, nomeadamente os computadores, desempenham tarefas incríveis, coisas que jamais pensamos conseguir fazer. Análises em grande escala e precisão, utilizando uma inteligência parecida com a humana.
Esta inteligência é aquilo que designamos “Inteligência Artificial”.
Prevemos que a Inteligência Artificial tenha, num futuro próximo, um impacto enorme nas nossas vidas. Já tem. Mas será crescente.
Mesmo sabendo que à data temos desafios enormes que ainda refutam este passo evolutivo. Muitos desses desafios são até culturais, diria quase que históricos. Alguns são mesmo mentais, pessoais ou apenas egocêntricos para quem está bem na área de conforto e tem receio de se desafiar.
Mas quando penso sobre a ascensão da Inteligência Artificial associo a um exemplo distante, sobre a evolução da sociedade: O aumento da literacia na humanidade.
Há umas centenas de anos, uma grande parte da sociedade pensava que talvez nem todos precisassem de ler nem escrever.
Ficava a maioria da sociedade dedicada à agricultura, a pastar ovelhas ou a pescar peixe.
Pensava a sociedade de então que não seria necessária tanta comunicação escrita.
Pensava-se que tudo o que era necessário saber ficava encarregue aos Sacerdotes, Monges e Padres. Esses, que eram os poucos que sabiam ler e escrever, sabiam ler-nos o Livro Sagrado (de cada religião).
A nós, iliterados, apenas seria preciso ir ao Templo, à Igreja ou qualquer Espaço Sagrado e sentarmo-nos a ouvir o que Sacerdotes, Monges ou Padres nos fossem ler.
Era esse o conceito de literacia aceite pelo Mundo de então.
Felizmente, o tempo, sempre o necessário tempo, deu-nos a sorte de descobrir que podíamos construir uma sociedade mais rica se soubéssemos todos ler e escrever. Se a informação escrita fosse mais ampla. Se cada um pudesse escrever as suas próprias opiniões e os outros as pudessem ler.
Obrigado, Tempo, por teres elucidado a sociedade de então.
Então e hoje?
Hoje, a Inteligência Artificial está nas mãos dos “Sacerdotes, Monges e Padres” de outrora. Hoje esses que “sabem ler e escrever” são os nossos engenheiros informáticos qualificados que trabalham em grandes empresas (em número ou capacidade de inovar) de tecnologia.
E a maioria da sociedade tem acesso apenas à Inteligência Artificial que eles constroem. Só sabemos o que eles nos dizem.
Óbvio que, usando o exemplo da literacia na sociedade de há centenas de anos, acredito plenamente que podemos ter uma sociedade muito mais rica se pudermos permitir a todos que ajudem a escrever o futuro. E esse futuro está também na Inteligência Artificial.
A Inteligência Artificial está concentrada em grandes empresas de tecnologia porque custam fortunas. Dezenas de engenheiros qualificados podem custar milhões ou dezenas de milhões de euros para construir um sistema de Inteligência Artificial. E só empresas com centenas de milhões de euros podem despender este custo em recursos humanos e tecnológicos para extrair depois rendimentos deste investimento.
À data, esta Inteligência Humana, não a artificial, custa cada minuto de trabalho.
Trabalho criativo. Competitivo com o tempo de construção de plataformas destas.
Desvalorizamos muito a inteligência humana que está a dar suporte, nas grandes empresas tecnológicas, para criar a inteligência artificial. Desvalorizamos quem está a criar hoje o que será útil amanhã.
Temos sempre a tendência de relativizar o mérito. Mas saibamos: A inteligência artificial partiu de grandes inteligências humanas. Ponto final.
Mas é preciso chegar a todos.
Acredito que a Inteligência Artificial pode ser aplicada a projetos que não sejam feitos para 10 milhões de pessoas, nem que sejam projetos que sirvam para “mudar o mundo” e venham a criar uma economia de milhões de euros.
Por exemplo, um restaurante numa cidade portuguesa que não capital de distrito. Pode? Pode.
Se o gerente desse restaurante tiver muita dose do “prato do dia” a sair, mas souber gerar e funcionar com esses dados (do que vende e que quantidades, com as horas e custos), os sistemas de inteligência artificial vão detetar bem os padrões e talvez um sistema de inteligência artificial pudesse detetar se uns “carapaus alimados” vendem bem numa sexta-feira à noite. Se sim, manteria. Se não, sugeria que os fizesse mais numa quinta-feira ao almoço com base num número elevado de procura.
Porque não?
Agora podem questionar-me: “A sério que vamos limitar a inteligência artificial a um restaurante pequeno de uma terriola algarvia qualquer?”
Sim, vamos. Democratizar tudo.
Tal como a leitura e a escrita é para todos, se a inteligência artificial for aplicada a sistemas que auxiliem qualquer um, isto é algo que vai ajudar o gerente de um restaurante a melhorar as suas receitas em alguns milhares de euros anuais e isto será importante para ele. Para os funcionários dele. Para as suas famílias. E sem contar com a sustentabilidade e desperdício associado.
Repliquemos isto a vários casos.
Mas quero assinalar que há muita “propaganda” sobre a necessidade de um sistema de Inteligência artificial necessitar de ter grandes conjuntos de dados. Certo que ter mais dados ajuda sempre. Mas, ao contrário do que se diz, pode funcionar bem com quantidades modestas. Como as quantidades de dados de refeições de um restaurante.
Portanto, à data, o único problema deste exemplo é que um Restaurante que vende carapaus alimados nunca irá ter capacidade financeira para adquirir um sistema de inteligência artificial destes. É “só” este pequeníssimo problema de enormíssimo valor monetário.
Como seria se capacitássemos pequenas empresas para usarem sistemas de inteligência artificial? Um restaurante com as suas refeições, uma loja de roupa a identificar as t-shirts que mais se compram ou os erros de fabrico que demoram a ser identificados pudessem ser validados com uma pequena aplicação com acesso a inteligência artificial, uma pizzaria a escolher os dias em que se fazia X tipo de pizza, … Estes exemplos. Os exemplos da sociedade real.
Assim que saímos da vida na internet, não há uma solução para todos.
Não queremos a inteligência artificial só para grandes empresas como as dos automóveis, indústria farmacêutica, hospitais e setor tecnológico.
Aliás, estes setores já se debatem com isto, o problema de não haver uma plataforma única. Não há um sistema único que dê para todos. Então, tanto pode dar para uma grande indústria farmacêutica um, como para o restaurante do Chico Maria outro. É igual.
Cada projeto é único e precisará de um sistema à sua medida. Um que dependa dos dados de vendas de um restaurante, um que dependa do número de t-shirts que sai mais, um que analise anomalias de matérias-primas, um que identifique fisiologicamente tumores, um que valide o padrão de qualidade de medicamentos, etc.
Porém, há um novo caminho de construção de sistemas de inteligência artificial que abre portas a cada vez mais pessoas.
Como a caneta e o papel são muito superiores tecnologicamente à placa de pedra e o cinzel para escrever, mas foram fundamentais para a literacia geral, estão hoje a surgir novas plataformas de desenvolvimento de inteligência artificial que ao invés de nos pedir para escrever muitos códigos pede apenas que lhe forneçamos dados.
Isto é um caminho mais fácil.
Qualquer um pode executar esta função de inserir dados. Já há milhares de empresas a trabalhar nestas plataformas. Vivemos apenas na época análoga à dos Templos, Igrejas e Espaços de Culto. Temos de procurá-los para que nos “leiam” essa informação. No dia a dia não a sabemos ler nem conhecer estes passos, mas vamos lá chegar com a democratização da inteligência artificial.
Estas plataformas estão a chegar e já há algumas bastante úteis.
Como na imagiologia em que já há algoritmos que identificam com recurso a inteligência artificial peças para gerar imagens de tomografia computorizada (TC) baseadas em imagens de ressonância magnética (RM) e este passo importante diminui as preocupações sobre a segurança das tomografias, devido à radiação, nos doentes.
“Ah, bom exemplo, mas isso não é cá”.
Ok. Em Braga, no nosso país, já há uma clínica que adquiriu equipamento com algoritmos sustentados pela inteligência artificial e consegue mapear um corpo humano inteiro para detetar cancro de pele. Nessa mesma máquina, a inteligência artificial faz um diagnóstico inteiro ao nível dermatológico. A tecnologia chama-se Fotofinder e é usada em Portugal. Assim já é bom?
Felizmente já existem muitos bons exemplos. Cá, na Coreia do Sul, na América, onde quiserem.
Agora resta trabalhar qualquer tipo de tecnologia para habilitar um padeiro a utilizar a inteligência artificial e dessa forma verificar a qualidade e a rentabilidade do que vende; Um agricultor para validar padrões da qualidade dos seus legumes; Ou um fabricante de móveis de Paços de Ferreira para validar através destes dados a qualidade da madeira que usa e qual vende mais. Ou tudo o que quiserem desde que use dados (tudo usa).
Acredito que estas plataformas precisam de mais uns anos para surgirem adaptadas a cada um de nós e dos nossos negócios.
Para servirem para vender mais “carapaus alimados” em Portimão ou t-shirt’s em Rabo de Peixe nos Açores.
Mas, insisto que devemos capacitar qualquer um a utilizar a inteligência artificial como fizemos com a escrita e a leitura.
Temos de democratizar o acesso à Inteligência Artificial para assegurar que esta fonte de riqueza, e melhoria da sociedade, será espalhada por todos.
A inteligência é sempre importante.
Seja humana ou parecida à humana, dita artificial. Ser artificialmente inteligente é que não serve de nada. Querer limitar a evolução a todos é ser artificial na inteligência, diria ser-se burro até. E essa falsa inteligência temos de saber rejeitar.
Há centenas de anos, ninguém entendeu o impacto da literacia ser global. Hoje quase ninguém compreende o impacto que a democratização da inteligência artificial pode ter para um melhor futuro de todos.