Nota prévia: A aproximação e cumplicidade entre os déspotas Putin e Kim é aterradora. São duas criaturas que exercem um poder absoluto e detêm um arsenal nuclear que, no caso russo, pode destruir o planeta, enquanto o norte-coreano é suscetível de causar milhões de mortes. Ao contrário da ditadura chinesa, onde existe um coletivo com poder, a russa e coreana são unipessoais. Qualquer tentativa que vise diretamente os seus dirigentes pode levar a uma reação desesperada e devastadora. Putin e Kim são a dupla potencialmente mais perigosa para a humanidade que alguma vez se juntou, desde logo porque são frios e loucos.
1. Como dizia Jô Soares, no seu Planeta dos Homens, “não é a vida que está cara, você é que está ganhando pouco”. Os portugueses são o retrato objetivo dessa realidade. Falam-lhes da existência de uma classe média e dos efeitos da subida dos juros na vida quotidiana, designadamente aos que estão a pagar uma compra de casa, muitos por falta de alugueres. É o cinismo puro e duro do discurso político. Considerar classe média um casal que ganha três mil euros (paga 25% de IRS e impostos indiretos monumentais), que é obrigado a ter carro e vê o seu encargo bancário subir 300 euros/mês por um empréstimo de 150 mil é sadismo social. Na Bélgica, Holanda, Alemanha ou Áustria (onde os juros também sobem) esses 300 euros são acomodáveis em orçamentos de classe média que em regra ultrapassam os 7 mil euros líquidos por casal. E são sociedades que dão contrapartidas aos impostos através de um Estado eficaz e não parasitário. Acresce que lá a banca não é “vampiresca” como a nossa e o sistema de taxas fixas era aconselhado, sobretudo quando os juros eram baixíssimos. Cá foi o contrário. Só por isso, dá vontade de aplicar um imposto sobre os lucros pornográficos de uma banca cheia de liquidez, bastante incompetente (veja-se os estoiros sucessivos), sempre a abusar da iliteracia financeira e desleixo dos clientes. Em Portugal, não há, na prática, classe média trabalhadora por conta de outrem. Há um grupo de pobres e remediados. Há, depois, gente que ostenta poder económico, carros simpáticos, frequenta boa restauração e mostra conforto. Para além da gigantesca fuga fiscal (que cada vez mais está a voltar a ser assumida como uma legítima defesa), é preciso ter noção que muitos desses gastos são colocados em contas de empresas, as quais passam décadas a dar lucros à pele ou a declarar prejuízos. Ou seja, sem pagar impostos, inflacionando despesas e usando habilidades fiscais. Nada do que se passa cá tem comparação com a realidade europeia dos países onde se vive bem. Pode-se estabelecer, por enquanto, algum paralelo com os estados chegados mais recentemente à União Europeia e que nos vão ultrapassando regularmente. Neste Sul perdido há, fundamentalmente, meia dúzia de grupos económicos que concentram a riqueza. Depois há os tais que metem tudo o que podem nos custos. Acima dos miseráveis e indigentes, há os catalogados de classe média pelo fisco, que são pobres envergonhados. São esses que dão cada vez mais sinais de cansaço, que vão deixando de acreditar na democracia, optando pela abstenção, o isolamento ou por votar em propostas populistas radicais de direita e de esquerda.
2. As moções de censura do Chega não visam o Governo. São mesmo uma ternurinha política que dão um jeitão ao PS. Costa devolve normalmente o mimo ao elevar Ventura à condição de principal adversário numa falsa indignação. PS e Chega conjugam-se para desvalorizar o PSD. Confrontados com a moção, os sociais democratas vão optar pela abstenção, ao contrário do Iniciativa Liberal, que a vota favoravelmente. O IL é mais coerente ao entender que o governo é tão mau que deve cair. Pelo menos, não lhe podem mais tarde apontar beneplácitos com um primeiro-ministro que, em oito anos, apresenta um balanço desastroso. Para o Chega, a apresentação da moção logo no início da sessão legislativa só se pode justificar para obter ganhos na Madeira, impondo-se ao PSD e ao CDS se quiserem ter maioria absoluta. Se esse propósito falhar domingo que vem, Ventura perde e Montenegro ganha, podendo anunciar que o dispensará no futuro.
3. Sempre que vem a público, Cavaco Silva incomoda toda a classe política, começando no governo do momento. É novamente o caso com o seu livro O Primeiro Ministro e a Arte de Governar. A obra foi apresentada pelo regressado Durão Barroso, que alguns teimam em considerar uma hipótese para Belém e pelo qual há cada vez mais sociais democratas embeiçados. O livro contém um somatório de conselhos sobre a autoridade de um chefe de governo e a forma de proceder a remodelações. Há, porém, um aspeto que não é focado. Tem a ver com o sítio para onde se manda o remodelado e o seu séquito, do chefe de gabinete aos adjuntos e assessores, passando pelos secretários de Estado, secretárias e às vezes primos, primas e quejandos. É um quebra-cabeças sobre o qual seria interessante Cavaco dissertar, aumentando o interesse e as vendas.
4. Para responder a Cavaco, António Costa destacou Ana Catarina Mendes (ACM). Foi pífia ao acusar Cavaco de não ter feito nada para acabar com o trabalho infantil no seu governo. Além de falso, o argumento ignora que era uma situação herdada e que foi combatida pelo então ministro Silva Peneda, uma figura de rara sensibilidade social chamada Silva Peneda e altamente respeitada da esquerda à direita na altura e agora. É por se prestar a esse tipo de papéis que ACM deixou de entrar nas contas da sucessão de Costa. Até Marta Temido lhe leva vantagem, com menos de dois anos de passe do PS.
5. Mariana Mortágua foi lesta em vir a público exigir que o Estado (e obviamente as empresas) paguem a totalidade dos salários de todos os trabalhadores que dependam, direta ou indiretamente, da Autoeuropa, na sequência de uma interrupção no fornecimento de uma peça fabricada na Eslovénia após um temporal brutal. Foi mais um exemplo de demagogia barata. É, por isso, oportuno recordar que, a seguir à pesada derrota das legislativas, o Bloco dispensou trabalhadores sem apelo nem agravo. Quanto à Autoeuropa, negociada e concretizada no tempo do cavaquismo, é de assinalar que ainda hoje contribui com 1,5% do PIB. Desde 1991 não apareceu nada que se lhe compare, o que diz muito do nosso falhanço coletivo. A empresa tem um modelo altamente eficaz de gestão como revela o facto de ter conseguido encurtar imenso o tempo de paragem inicialmente previsto. A isso chama-se competência e responsabilidade. É coisa que se pratica pouco por cá nas empresas privadas e nada nas da Parpública.
6. Está em curso uma revolução na área da distribuição em Portugal. Chama-se Mercadona. Os clientes são aos montes, gostam, gastam e voltam por não acharem caro. A cadeia espanhola ganha rapidamente quota de mercado e tem uma implantação periférica às zonas densamente povoadas. A estratégia é semelhante à de Espanha, que foi um êxito. Na distribuição portuguesa tarda a resposta, mas não há sinais públicos de preocupação. É desejável, porém, que não se adormeça. Desde logo, porque é um setor que proporciona muito emprego, embora mais mal pago do que o desta nova concorrência, que também dá boa formação profissional.
7. Há quem entenda que não há limites para o humor, mesmo quando atinge picos de boçalidade preconceituosa inauditos. Ricardo Araújo Pereira é desses e não se exime. Viu-se no final do programa de domingo, dia 10. Nunca se o verá é pôr a ridículo o aspeto físico ou outras facetas de quem lhe dá a broa e o conduto. Falando talvez de um alegado “lélé da cuca”. É o falas, valentão!
8. Palermas das redes sociais indignados por um comentário de Marcelo sobre um decote; um grupo de puritanos (de esquerda e de direita) a reclamar a retirada, ao fim de onze anos, de uma estátua de Camilo a abraçar uma jovem nua, numa mensagem simbólica (quando há obras medonhas como as de Bordalo de segunda) ; questionar a transferência de Eça para o Panteão; horas a fio de televisão a comentar um beijo a uma jogadora de bola. São exemplos da pobreza com que é feita uma informação preguiçosa, cheia de picanços de jornais e “faits divers” pitorescos e idiotas. Como a covid, a estupidez é viral. Só que não há vacina para ela…