A nossa Constituição diz que o período normal de funcionamento da Assembleia da República decorre de 15 de setembro a 15 de junho, mas todos os anos o parlamento prolonga os seus trabalhos até ao final de julho. Este ano durou até 28 de julho e o reinício dos trabalhos em comissão em 6 de setembro.
Os parlamentares e os políticos eleitos têm direito total a descansar. A estar com as suas famílias e amigos. São humanos. Têm esse direito básico e merecem.
A meados de agosto é normal, sobretudo e mais coerentemente na história o PSD com a Festa do Pontal, os partidos políticos começarem a retomar a atividade política de forma gradual e sempre neste registo de comício popular.
Este mês de agosto, sabendo que o Algarve é uma região que acolhe muitos portugueses deslocados dos seus distritos em férias, a IL, PSD e PCP arrancaram já com as suas rentrées políticas respetivamente em Armação de Pêra, Quarteira e Silves. Ainda no final do mês o partido Chega irá retomar os trabalhos em Lagos.
Já em Setembro, logo nos primeiros dias, decorrerá a tradicional Festa do Avante do PCP e depois o PS regressa com a sua academia socialista em Évora (de 6 a 10 de setembro). Bloco de Esquerda, PAN e Livre também vão regressar em setembro.
Estes momentos de visibilidade política importam. Mas todos temos noção que a vista dos portugueses está mais presente na toalha de praia e no mar do que nas manchetes políticas e comícios.
É preciso ser muito hábil para captar a atenção do país.
E não é só em agosto que as vistas dos portugueses não olham para a política.
Estes últimos anos de casos e casinhos na política portuguesa criaram maior afastamento dos eleitores para com os seus eleitos. E a conjuntura internacional, com um crescimento de franjas populistas na europa e fora dela, também não ajudou a credibilizar a política séria, moderada e assente em propostas políticas.
Sobre propostas políticas, o normal é que sendo boas são aceites por adversários políticos. Aliás, será que ainda sabemos o que é ver um partido de oposição felicitar e aprovar projetos de um Governo ou, em sinal contrário, vermos um Governo acatar propostas da oposição?
Este clima quezilento, meio ao estilo futebolístico, descredibiliza muito a imagem política e tira interesse do país pela classe política. Saibamos isso.
Mas foquemos nos comícios que, como vimos, todos os partidos políticos fazem.
Já não estamos nos saudosos comícios do PSD de Francisco Sá Carneiro ou Aníbal Cavaco Silva no Pontal. Não estamos já a viver a Festa da Pontinha do PS com Guterres em 1995.
Esses tempos acabaram.
Nessa altura não havia transportes pagos. Nem refeições grátis.
Eram arraiais populares que juntavam mesmo milhares de pessoas unidas a uma causa e que faziam deslocações com as suas despesas. Militantes e apoiantes que reuniam grupos de companheiros/camaradas para irem juntos aos eventos e que iam sem vontade superficial de aparecer/ser vistos ou tirar selfies para as redes sociais.
Pessoalmente, e não vivi isso pela idade que tenho, acredito que dava uma força maior essa ligação antiga.
Ambos os momentos, do passado e do presente, são bonitos.
Envolvem grandes organizações e colocam durante semanas dezenas (ou centenas) de voluntários a abdicar de férias e dias em família para se dedicarem a troco de nada aos seus partidos. É nobre. É bonito. Continua a ser genuíno e tenho o maior e melhor apreço por todos esses anónimos que fazem perdurar estes comícios no tempo. Sejam eles de que partido forem. Merecem o meu agradecimento pelo que se dedicam à democracia. Obrigado a todos.
Porém, com certeza de que há essa tentativa por parte de todos os partidos, há três pontos fundamentais a dinamizar um evento desta natureza em pleno 2023.
A mobilização (1), o enfoque nas propostas (2) e a adaptação à realidade e à localidade (3).
Ao nível da mobilização tem de se procurar o regresso da liberdade de militância, da espontaneidade e do cariz popular equilibrado na formalidade da democracia.
Conseguir atrair sem forçar.
Ter a possibilidade de um transporte gratuito, para quem não tem alternativa ou forma de se deslocar, é bom. Mas um sentimento que leva a forçar a que todos cheguem aos recintos oriundos de autocarros pagos, com verbas que poderiam ficar nos cofres dos partidos para, por exemplo, apostar na formação, não deve ser a normalidade.
Ou seja, é bom mas não deve ser feito desta forma.
Perde liberdade o militante e o evento.
O equilíbrio entre a formalidade que a democracia exige e a vertente popular é fundamental. Ninguém procura um evento aberto formal. Mas também ninguém vai a um evento do seu partido para ouvir música e beber uns copos. Nem 8, nem 80.
Ao nível das propostas, fica na retina o bom e meritório exemplo do que o PSD fez neste Pontal de 2023. Apresentou um conjunto de propostas, definidas na temática, explicadas e que vai agora propor.
Um evento de rentrée não é, ou não deve ser, para dar púlpito e paco a um conjunto de dirigentes a destilar ódio pelos adversários. Para ouvirmos quase uma hora de um discurso repleto de críticas e com zero alternativas.
Um evento destes, que representa um novo ciclo e um novo ano político, deve trazer esperança e só temos fé no futuro se tivermos ideias para transformar o presente.
Os eventos partidários de agosto e setembro, mais que palcos de ódio e medição de claques, devia ser feito para apresentar ideias e projetar como a ideologia se expõe em propostas para os meses que se seguem. Para os portugueses saberem ao que vão e entenderem que os partidos não são todos iguais.
Finalmente, a adaptação à realidade e à localidade.
É o ponto mais esquecido.
Primeiro, é necessário haver adaptação à realidade. Ouvirmos em 2023 um partido político culpar a Troika (2011-2014) ou outro culpar a bancarrota de um Governo (2011) não é um discurso adaptado ao que vivemos. O mundo, e o nosso país, já mudou muito desde essa altura e, sobretudo, nunca servirá de nada apontar culpas para resolver os nossos problemas que se mantêm.
Segundo, a localidade. Pode parecer bairrismo, mas não é. Se um Partido X vai ao Algarve, à casa dos algarvios, tem de ter também esperança para quem os acolhe. Tem de ter uma parte dedicada à conjuntura dessa região. Não podem falar no Algarve da mesma forma como se estivessem no Alto Minho. É básico. É assim que vão atrair algarvios para as próximas sessões. Não o fazendo, garanto de fonte segura que perdem algarvios que não voltarão aquele local.
Estes pontos parecem simples.
Mas se formos honestos, reconhecendo trabalho nesse sentido de adaptação dos partidos aos novos tempos e às suas dificuldades, ainda têm um grande percurso pela frente. E não é nada fácil. Sem fatalidade, se seguirmos este caminho, em breve pagaremos a militantes e dirigentes para fazerem de figurantes nestes eventos onde outrora alguns ficavam à porta por não haver espaço nos recintos.
E acreditem, ninguém vai gostar do dia em que matarmos parte da democracia que está representada na liberdade popular de se ter vontade de ir a um comício, a um congresso ou a um simples evento local partidário.
No dia em que isso acontecer, até os apartidários vão ter medo do que estamos a fazer.
Termino dizendo o que sei, vivi e acredito. As rentrées são importantes. São bonitas. Têm vida e alma própria, da direita à esquerda. Têm dezenas de voluntários a quem a democracia deve ser eternamente grata. Têm anos bons de propostas e outros maus de vazio de política de futuro.
Como tudo na vida.
Porém, permitam-me, acredito que há que repensar a mobilização, o enfoque nas propostas e adaptação à realidade atual e local de onde vão.
E serei sempre um fã, pelo bem da democracia, de uma boa rentrée.
Venham muitos mais anos delas!
Carlos Gouveia Martins