Como previ no artigo que aqui publiquei na semana passada, com o mesmo título, as referências à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) concretizadas pelos media nacionais pouco, ou nada, aprofundaram do que, de substancial, nela foi dito, e não dito, pelo Papa Francisco.
Viciados, sobretudo, nas preocupações e apreciações sobre o valor e préstimo económico e financeiro de todos e quaisquer eventos, uma vez mais a maioria dos apontamentos jornalísticos sobre a prestação de contas daquela jornada se sobrepuseram, durante a semana, a tudo o que, mais substancialmente, da JMJ resultou.
Nada de mais revelador, aliás, do já habitual afunilamento temático da nossa comunicação social do que a estéril polémica inicial sobre o preço do palco.
Os media falam, porém – como todos sabemos, ou devíamos saber -, muito mais pela boca e interesses dos seus donos do que pela voz dos protagonistas da maioria dos eventos que noticiam.
Nada de novo, portanto.
E, todavia, teria sido do máximo interesse, para todos os portugueses, que os media tivessem logo promovido e facilitado o aprofundamento e a compreensão das corajosas intervenções do Papa, tanto do ponto de vista das matérias estritamente religiosas, como do ponto de vista das suas referências mais políticas, económicas e sociais.
Dados o número e a juventude dos participantes – e ambas as características só juntas é que revelam, afinal, a originalidade e a grandeza da JMJ – e o teor avançado da maioria das interpelações que o Papa lhes dirigiu, teria sido, sem dúvida, muito importante entender qual o nível de interiorização efetivos que elas mereceram àquele gigantesco, e especialmente jovem, auditório.
Num outro plano, o sentido de muitas daquelas intervenções papais pretendeu atingir – e atingiu de facto, também – um outro conjunto de interlocutores, dentro e fora da Igreja.
Para simplificar, podemos caracterizá-lo como o grupo dos responsáveis políticos, económicos e sociais pelo atual estado de coisas no mundo; exatamente aqueles que o Papa, em muitos casos e outras ocasiões, havia já citado e criticado, pública e severamente, pelas prioridades erradas e opções que, consequentemente, sempre tomam.
O Papa procurou, assim, que as suas mensagens cruzadas fossem escutadas, também, por todos – mesmo todos – os que têm o poder de decisão sobre a economia, a guerra e a paz, sejam eles católicos – como se afirma o dirigente da maior potência mundial – ou não.
Do resultado desse cruzamento de mensagens e do efeito que ele proporcionaria, esperava, porventura, o Papa – esperávamos todos – que resultasse uma controvérsia séria e capaz de abalar o status quo existente, tendo em vista ajudar a criar uma sociedade mais justa, mais pacífica e mais humana.
E, contudo, até agora, nada.
Não sei se tal passividade no eco e nas respostas resulta já, ou não, do estado de quase paralisia mental a que a maioria dos verdadeiros responsáveis pela governação mundial conseguiu que os media nos condenassem.
A verdade é que, ainda hoje, não se assistiu, pelo menos entre nós, a qualquer debate relevante sobre as orientações que o Papa propôs, tanto no plano estritamente religioso, como no plano político, económico e social.
Não falo, claro, da publicação de um e outro texto – necessariamente – monologados sobre as intervenções papais.
Refiro-me, sim, à inexistência dos mais que necessários diálogo e confronto público entre líderes religiosos, políticos, sociais, económicos, empresariais e sindicais sobre o que, para todos e cada um deles, o Papa falou.
Era importante que todos – mas todos, como disse o Papa – pudessem dialogar à nossa frente, abertamente, sobre as ideias que ele trouxe à discussão na JMJ.
Era importante ouvir publicamente, pela própria voz de tais responsáveis, o que, na verdade, pensam sobre as ideias, apelos e propostas do Papa.
Era importante, ainda, que se percebesse que movimentações religiosas e sociais tais palavras do Papa irão, ou não, gerar entre os jovens, tanto do ponto de vista da sua participação na Igreja, como na eventual intervenção social que daquela resulte.
Era importante, também, compreender como o apelo do Papa aos jovens para que não tenham medo e tenham coragem de afrontar os problemas que, embora diferentemente, hoje afligem toda a humanidade – toda, mas mesmo toda – se refletirá no diálogo entre jovens católicos e jovens não católicos, que partilham, hoje, de muitos dos mesmos valores humanistas, sofrem dos mesmos problemas e aspiram a desenhar soluções inovadoras e avançadas, que a todos, mesmo todos, possam beneficiar.
Era, para além disso, importante procurar saber, através deles mesmos, que atitudes individuais e coletivas pretendem ter os jovens católicos – e não só – face às diversas frentes de batalha da mesma «guerra mundial» que se desenrola já um pouco por todo o mundo.
Pode ser que esteja a ser injusto, por não esperar, pacientemente, pelas reações que, mais cedo do que tarde, os jovens irão, por certo, dar aos apelos do Papa.
Oxalá assim seja: o tempo da humanidade e o da indispensável paz parecem estar a encurtar muito.
De uma coisa estou certo: é de que se situa no desenvolvimento e na publicitação dessas reações que os media poderão ter – se os deixarem –um papel importante para a sociedade e, em especial, aqueles que nela mais sofrem com as injustiças assinaladas pelo Papa Francisco.
Ao contrário do que, com exceções, atualmente vem acontecendo, a única coisa que se pede aos media é que, no caso de ainda poderem, os seus profissionais, desta vez, não se entrevistem uns aos outros e, de preferência, convoquem para tanto – fora do pequeno e fechado mundo de fazedores de opinião em que se movem – as vozes reais e verdadeiras da sociedade.