Vivemos de especialistas de generalidades.
Nestes dias nascem comentadores políticos debaixo de cada pedra da calçada e, sobretudo, em cada cadeira de café ou a cada sofá de casa.
Não critico. É fácil comentar tudo.
Comentar sem certezas e atrás de um ecrã é básico. Cobarde. Mas básico.
A receita deles todos é simples: É juntar de forma muito fácil uma dose de copy-paste de ideias de meia dúzia de pessoas aleatórias do Facebook, adicionar após aquecida esta frase pelo menos dois chavões de stories do instagram, e salpicar com três títulos noticiosos e uma frase de alguém minimamente credível.
Para abrir o apetite, esta receita do especialista de coisas gerais está ótima. Nem precisa de ir ao forno, tal não é a temperatura alta do debate diário que vivemos.
Porém, se não critico quem perde tempo a ser o que não é, critico os que deveriam ser mais do que estão a ser.
Critico o facto de ter-se tornado fácil haver pretexto para descredibilizar tudo. As instituições democráticas e as entidades públicas vivem do “não faz mal, o outro também já fez isso errado e ninguém disse nada”. Falta a vergonha na cara dos dirigentes, dos responsáveis e de quem é (alguns só no papel) líder do que seja.
Perdemos a noção.
Perdemos a razoabilidade.
Hoje ninguém tem vergonha na cara e “bate com a porta”, digamos, demite-se após que erro seja. Ficam impávidos e serenos nos seus lugares. Descredibilizam assim as instituições e a moralidade das coisas comuns.
Mas e os exemplos vindos de cima, como estão? Mal.
Um Primeiro-ministro não pode falar ao país como se estivesse num jantar da Queima das Fitas de Coimbra. Nem pode, após questionado por jornalistas, dizer “isso foi ontem, já viu o dia hoje? Está tão bonito”. Um Presidente da República, por sua vez, não pode, após uma crise no Governo da República, ir brincar à rua e dizer meia dúzia de labreguices a uma dezena de jornalistas enquanto está a comer um gelado. Na Assembleia da República, um grupo parlamentar (ou “para lamentar”) de um partido político não pode insultar um representante democraticamente eleito na “Casa” da Democracia portuguesa, nem pode atuar num lugar sério como se estivesse num circo no momento dos palhaços e da palhaçada. Chega disto.
Haveria mais casos, todos sabemos.
A falta de respeito hoje é normalidade e a elevação é uma casualidade.
Em todos os momentos que a humanidade atravessou, nomeadamente a sociedade portuguesa, sempre foram percorridos com bom senso e razoabilidade. Pelo menos, e mostrem-me onde não, eram traçados caminhos com respeito institucional. Não ocorriam escândalos semanais num Governo. Não víamos Presidentes de gelado na boca a falar sobre crises institucionais. Não tínhamos casos de nepotismo gritante em setores inatacáveis há poucas décadas (saúde, educação, por exemplo). Não tínhamos um Estado ao serviço de um Governo em vez de um Governo a trabalhar para o Estado.
Hoje tudo é estranho.
O descrédito de quem lidera infetou a credibilidade das instituições e não há momento em que a confiança seja maior que a desconfiança.
Perdemos o jogo. Ganharam os que não são exemplo.
Atingimos o crédito zero. Parece que somos governados por crianças.
A juntar a isto, temos uma grave carência na sociedade. A falta de vergonha na cara. Sim. Faz falta quem a tenha. Quem, após uma situação lamentável ou indesculpável, tenha a vergonha de o assumir e sair.
Longe vão os tempos em que, sem culpa, como sempre se dá o exemplo do então Ministro Jorge Coelho, se ter demitido de um Governo porque caiu uma ponte sendo essa tutela sua. Um exemplo de seriedade.
Foquemos neste exemplo: Jorge Coelho era ministro do Equipamento Social quando se deu a queda do tabuleiro da ponte de Entre-os-Rios, provocando a morte de 59 pessoas que seguiam em veículos que caíram ao rio Douro na noite de 4 de março de 2001. Nesse momento, por isso, veio o então ministro de imediato pedir a demissão.
Assumiu a responsabilidade política pelo acidente, na medida em que cabia a serviços por si tutelados assegurar a segurança da infraestrutura centenária, explicando que não ficaria bem com a sua consciência se não se demitisse perante as consequências dessa falha. Mas antes de o fazer deu instruções para que fosse instaurado um inquérito, realçando que “a culpa não pode morrer solteira”.
Isto hoje já não existe.
Um adulto com vergonha na cara não aceita de ânimo leve que coloquem a sua seriedade em causa. Um adulto com vergonha na cara exige respeito, seriedade e decide com elevação.
Só as crianças ficam iguais após uma vergonha ou situação de desrespeito, porque não têm noção da normalidade.
Na política atual, partidária e não só (há política nas Escolas, nos Hospitais Públicos, …), temos imensas crianças a nível comportamental e uma ausência total de sentimento de vergonha.
Se tivessem noção teriam vergonha. E se tivessem vergonha, haveria muitas mais demissões. E haver demissões não é mau se colocar a normalidade do respeito nas instituições no devido lugar.
Faltam adultos a decidir e falta vergonha na cara a muita gente com responsabilidade. E com isto, falta muita coisa. O que não falta, assim, é gente que ganha espaço para comentar tudo e criticar todos. Às vezes, têm razão.