Precisamos de mais recursos minerais?

Precisamos de mais recursos minerais?


A sociedade tem alcançado feitos notáveis em termos do desenvolvimento da ciência e das tecnologias, mas, durante décadas, admitiu-se como certa a existência das matérias-primas para levar até aos utilizadores/consumidores estes desenvolvimentos ou produtos.


“As matérias-primas estão na base de todas as cadeias de valor industriais”. Começa assim o texto da recente proposta de regulamento do parlamento e conselho europeu para garantir e assegurar o fornecimento sustentável de matérias-primas críticas à Europa. Porquê nesta altura?

A disrupção no fornecimento de bens essenciais durante a crise da covid-19 e a crise energética desencadeada pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, destacaram as dependências estruturais de abastecimento globais e, em particular, da Europa e seus efeitos potencialmente prejudiciais em tempos de crise. Todos nós damos conta da subida dos preços dos bens alimentares e compreendemos as razões pelas quais a falta de fornecimento de fertilizantes pode criar uma crise alimentar sem precedentes. A cadeia de valor dos cereais é relativamente curta e rapidamente o efeito dessa disrupção chega ao cidadão comum que toma consciência da ligação entre os elos da cadeia e a sua origem. No caso das matérias-primas minerais a situação é muito mais complexa e a cadeia de valor é muito longa e, por isso, quase invisível. Se, a certa altura, faltarem os metais para as ligas metálicas de que são feitas a maquinaria e alfaias agrícolas, o efeito pode ser o mesmo, por efeito indireto da disrupção da cadeia de valor dos metais. O efeito provavelmente demorará muito mais tempo a alcançar o consumidor final e, pelo caminho, já afetou milhares ou milhões de pessoas que ficaram sem trabalho porque as fábricas pararam por falta de matéria-prima e, entretanto, perdendo a capacidade financeira de adquirir os cereais pelos seus próprios meios.

A sociedade tem alcançado feitos notáveis em termos do desenvolvimento da ciência e das tecnologias, mas, durante décadas, admitiu-se como certa a existência das matérias-primas para levar até aos utilizadores/consumidores estes desenvolvimentos ou produtos. Até há pouco tempo, raros eram os consumidores e produtores que reclamavam o conhecimento sobre a origem das matérias-primas na aquisição dos produtos. Mesmo aqueles com preocupações de sustentabilidade contentam-se com selos de “reciclagem” e “baixas emissões de carbono” na sua utilização, nunca questionando a pegada ambiental e a sustentabilidade das matérias-primas. Esta desconexão entre o produto e a sua origem conduziu a uma negação quase cega e irracional sobre qualquer atividade de mineração. É bem conhecido o fenómeno “NIMBY” (Not In My Back Yard) nas sociedades com preocupações ambientais legítimas, ou como diz o velho ditado português “longe da vista longe do coração”. Todos usamos diariamente e intensamente os telemóveis e as redes sociais, sem pensarmos um segundo sobre a sua pegada ambiental em termos de energia e matérias-primas. Vamos ser realistas, se elas existem têm de vir de algum lugar… mas só recentemente os consumidores e produtores começaram a questionar-se sobre a sua origem e a desenvolver soluções que permitam a sua rastreabilidade com base na tecnologia de Blockchain.

De acordo com último inventário do “World Mining Data 2022” a produção mineira continua a aumentar em todos os continentes, exceto na Europa. Os países com maior produção continuam a ser países em desenvolvimento, com mão de obra mais barata e, em algumas circunstâncias, em incumprimento dos direitos humanos, menos exigentes do ponto de vista das práticas ambientais e, na sua maioria, politicamente instáveis. Por exemplo, a República Democrática do Congo, foi responsável por 67% da produção mundial de cobalto em 2020. A China continua a ser o maior produtor do mundo de 31 commodities, incluindo 15 metais não ferrosos como o alumínio, as Terras Raras e o cobalto, matérias-primas críticas para a indústria das energias renováveis e das tecnologias digitais.

A tomada de consciência da finitude dos recursos e as preocupações de sustentabilidade levaram a que se considerasse seriamente a necessidade de reciclar as matérias-primas minerais e a reinseri-las na cadeia de valor. Muitos avanços têm sido alcançados nesse setor, mas rapidamente percebemos que não chega. Só com a adoção de um modelo de economia circular, com novos modelos de negócio em que os produtos são desenhados desde o início para serem reutilizados e as matérias-primas recicladas, poderemos estar mais perto desse paradigma. Ainda assim, todos os indicadores apontam para o aumento da produção e consumo de matérias-primas minerais, quer seja pelo aumento direto da população mundial, quer seja pelas necessidades criadas pela transição digital e energética que está a transformar uma sociedade intensiva em energia numa sociedade intensiva em matérias-primas. Como exemplo, um carro elétrico incorpora aproximadamente quatro vezes mais cobre do que um carro com motor de combustão. Ou seja, mesmo aumentando a taxa de reintegração das matérias-primas na cadeia de valor, vamos continuar a precisar de aumentar os stocks se quisermos alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável. Se o precisamos de fazer, é melhor que o façamos bem, o melhor possível, utilizando tecnologias mineiras seguras para as pessoas e para o ambiente, com processos transparentes baseados nas melhores práticas. A Suécia é o exemplo de um país que está a apostar fortemente numa indústria extrativa sustentável e que tem vindo buscar à nossa universidade os nossos alunos e às nossas empresas os nossos engenheiros pela sua elevada qualificação. Não há dúvida, se pensarmos no nosso planeta como um todo, a Europa é o continente mais bem preparado para o fazer.

Professores do Instituto Superior Técnico 

e Investigadores no Centro de Recursos Naturais e Ambiente CERENA