Entre 80 e 100 segundos ou entre 365 a sabemos lá quantos dias, muda tudo


Amanhã fará um ano, 365 dias, sobre o primeiro infeliz dia desde a invasão militar russa em território ucraniano. Foi no dia 24 de fevereiro de 2022.


Neste ano de confronto militar, afirmam estudos que há mais de 300 mil mortos registados (fora os que não fazemos ideia e os que nem iremos saber durante muito tempo). Tirando militares, confirmados, já são mais de 30 mil civis que perderam a vida devido a uma “Guerra”, ou o dito “Conflito militar”, que se perguntarmos a quem nos rodeia chegaremos a perto de 99% de respostas em como nenhum saberá justificar o porquê dessa Guerra acontecer.

Já este ano, a 6 de fevereiro, na Turquia, cerca de 80 a 100 segundos bastaram para mudar tudo a milhões de pessoas. Arrastando-se por uma falha tectónica, dita, de 400 quilómetros, este terramoto abrangeu estragos numa área geográfica tão grande quanto Portugal continental. Saibamos isto. Assusta.

Há uma similaridade entre ambos estes duros casos.

A vida mudou do nada para milhares ou milhões de pessoas.

Temos noção que a meados de fevereiro de 2022, milhares de famílias ucranianas estariam tranquilas a jantar fora em Kyiv, haveria jovens a sair com amigos à noite em Karkiv e estariam muitos casais a planear ter filhos provavelmente em Odessa. Eram vidas normais, como felizmente temos a sorte de ter em Lisboa, no Porto ou em Portimão hoje.

Em horas, e agora em 364 dias, muitos desses ucranianos (mas mesmo muitos) já devem ter morrido. Muitos ucranianos fugiram das suas casas e das suas terras. Muitos perderam familiares. Muitos casais de ucranianos viram o amor das suas vidas morrer seguramente. Muitos filhos ficaram sem pai ou mãe.

Recordo, porventura, que talvez na véspera, a 23 fevereiro de 2022, estavam milhões de ucranianos a passear e a sorrir e, um dia depois, a 24 de fevereiro de 2024, grande parte deles deveria estar escondido de bombardeamentos e a chorar de tristeza por ver o seu país invadido.

Quase um ano depois, a 5 de fevereiro de 2023, à hora de jantar local, as famílias da província do sul da Turquia, Hatay, que tem perto de milhão e meio de habitantes, estariam a jantar para irem descansar para mais um dia. De madrugada, enquanto a larga maioria de toda a população estaria a dormir, tudo tremeu durante perto de 100 segundos. 100 segundos apenas. 

Não consigo fazer um exercício para saber, caso estivesse a dormir, quantos segundos iria demorar entre aperceber-me do terramoto, levantar-me e tentar sair de casa. 100 segundos (pode ter sido menos) parece-me um tempo humanamente muito difícil de se conseguir estar em segurança fora das habitações.

Não consigo saber nem imaginar o que será ir dormir, acordar (se tivesse a sorte de ficar vivo) e ver que acabou toda a vida que conheci em segundos. As ruas. A vida de familiares ou vizinhos. As escolas onde estudei. Os locais onde fui feliz.

Sendo honesto, não sei imaginar nem consigo.

Não consigo imaginar o que é acordar e estar num local onde podem estar mortos por todo o lado debaixo de escombros. Crianças, adultos, animais, tudo. Não vale a pena sermos egoístas e dizermos em conversa de café que “imagino como será lá estar” … Não, não imaginamos coisa nenhuma. Nem na Turquia nem na Ucrânia.

Não consigo imaginar a aflição e a dor dos vivos na procura de alguma notícia ou resto físico dos seus entes queridos, mortos nos escombros. Não consigo imaginar a minha realidade com esse espelho de destruição material e humana. Não consigo, não sei e espero nunca saber como é ter essa dor. Será sinal de que tive a sorte de viver sempre sem passar por situações destas.

Sim, a sorte. Se acharmos que na vida tudo é mau, saibamos do bom que temos e da sorte que temos face a outros locais deste planeta.

Quando paramos para refletir a fundo sobre o que poderá ser “estar do lado de lá” da sorte da humanidade, como ocorre na Ucrânia e ocorreu na Turquia, devíamos pensar que: Perdemos na vida muito tempo a preocupar-nos com o que poderá correr mal, e o que acaba por correr mal na vida são sempre coisas que nunca nos preocuparam nada no nosso dia a dia.

Vivemos numa área de conforto físico e mental que nos colocará sempre na arrogância de pensar que “imagino como é” e nem temos a mínima noção de como está o território, quanto mais como é a situação.

Vemos, na Ucrânia e na Turquia, milhares ou milhões de famílias destruídas. Traumas e dor que vão demorar uma vida a ficar menores e nunca vão desaparecer. Cidades e Aldeias destruídas na sua totalidade e que quem tiver a meia-idade não terá tempo de vida para recuperar imagens da “sua terra” de pé, vão viver o resto das suas vidas a reerguer escombros. Pessoas que tinham os seus negócios e que agora vão precisar de uma ou mais décadas para ver novamente a sua vida reerguida a nível profissional.

Temos a sorte de não saber o que é ficar sem a nossa casa e a nossa cidade por sermos bombardeados, sem ter feito nada que o justifique.

Temos sorte por não ver parte da família, ou vizinhos e amigos, morrerem com um míssil ou um ataque aéreo que destruiu as suas casas e ruas.

Temos sorte por não ter de fugir da nossa terra, do nosso país, porque estão a destruir tudo o que nos fez crescer durante a nossa vida, sejam as ruas, os amigos ou os cheiros da nossa terra.

Temos sorte por nunca ter estado a dormir e ver o nosso “Mundo” real acabar em menos de dois minutos.

Temos sorte por nunca ter de ficar sem nada, roupas, bens materiais e casa em dois minutos.

Temos sorte por não ter de andar na rua à procura de roupa para nós ou familiares a temperaturas perto de zero.

Temos sorte por não ter de andar de escombro em escombro à procura de amigos ou familiares sem saber se estão vivos ou mortos.

Temos sorte de não saber o que poderá ser nunca encontrar um familiar, provavelmente morto, em escombros e viver a vida toda sem uma despedida agarrados a uma esperança de que tenha sido pouco cruel.

Temos muita sorte mesmo. A sorte em não viver a dor que se vive, sem culpa e sem aviso, na Ucrânia e na Turquia.

Se pensarmos a fundo na pergunta “E se fosse aqui? E se fosse comigo?”, sem o egoísmo ou a sobranceria de achar que sabemos o que é lá estar, será que não podemos trilhar um caminho melhor para nós e para a sociedade?

Tudo muda na vida.

Vivemos na bolha do populismo e necessidade de reconhecimento público. Vivemos em notícias fugazes e na espuma dos dias de notícias e coisas que valem zero para a nossa felicidade e de quem nos rodeia. Vivemos alheados de que tudo pode mudar em segundos, minutos ou meses na vida que temos como adquirida.

Estes dois casos, e há milhares no planeta que todos habitamos, devem deixar clara a nossa forma de encarar o dia a dia: Viver tudo como se fosse uma despedida, porque é.

Em segundos tudo muda, e não sabemos quando será a nossa altura de não ficar cá para contar a história, ou, quando contaremos a dor por ter perdido parte da nossa vida sem esperar.

Saibamos, nos escombros da humanidade nestes dois países, extrair algo de positivo para a nossa vida e erguer os nossos futuros em comunidade e sociedade de forma mais humana. Seja onde for.

Entre 80 e 100 segundos ou entre 365 a sabemos lá quantos dias, muda tudo


Amanhã fará um ano, 365 dias, sobre o primeiro infeliz dia desde a invasão militar russa em território ucraniano. Foi no dia 24 de fevereiro de 2022.


Neste ano de confronto militar, afirmam estudos que há mais de 300 mil mortos registados (fora os que não fazemos ideia e os que nem iremos saber durante muito tempo). Tirando militares, confirmados, já são mais de 30 mil civis que perderam a vida devido a uma “Guerra”, ou o dito “Conflito militar”, que se perguntarmos a quem nos rodeia chegaremos a perto de 99% de respostas em como nenhum saberá justificar o porquê dessa Guerra acontecer.

Já este ano, a 6 de fevereiro, na Turquia, cerca de 80 a 100 segundos bastaram para mudar tudo a milhões de pessoas. Arrastando-se por uma falha tectónica, dita, de 400 quilómetros, este terramoto abrangeu estragos numa área geográfica tão grande quanto Portugal continental. Saibamos isto. Assusta.

Há uma similaridade entre ambos estes duros casos.

A vida mudou do nada para milhares ou milhões de pessoas.

Temos noção que a meados de fevereiro de 2022, milhares de famílias ucranianas estariam tranquilas a jantar fora em Kyiv, haveria jovens a sair com amigos à noite em Karkiv e estariam muitos casais a planear ter filhos provavelmente em Odessa. Eram vidas normais, como felizmente temos a sorte de ter em Lisboa, no Porto ou em Portimão hoje.

Em horas, e agora em 364 dias, muitos desses ucranianos (mas mesmo muitos) já devem ter morrido. Muitos ucranianos fugiram das suas casas e das suas terras. Muitos perderam familiares. Muitos casais de ucranianos viram o amor das suas vidas morrer seguramente. Muitos filhos ficaram sem pai ou mãe.

Recordo, porventura, que talvez na véspera, a 23 fevereiro de 2022, estavam milhões de ucranianos a passear e a sorrir e, um dia depois, a 24 de fevereiro de 2024, grande parte deles deveria estar escondido de bombardeamentos e a chorar de tristeza por ver o seu país invadido.

Quase um ano depois, a 5 de fevereiro de 2023, à hora de jantar local, as famílias da província do sul da Turquia, Hatay, que tem perto de milhão e meio de habitantes, estariam a jantar para irem descansar para mais um dia. De madrugada, enquanto a larga maioria de toda a população estaria a dormir, tudo tremeu durante perto de 100 segundos. 100 segundos apenas. 

Não consigo fazer um exercício para saber, caso estivesse a dormir, quantos segundos iria demorar entre aperceber-me do terramoto, levantar-me e tentar sair de casa. 100 segundos (pode ter sido menos) parece-me um tempo humanamente muito difícil de se conseguir estar em segurança fora das habitações.

Não consigo saber nem imaginar o que será ir dormir, acordar (se tivesse a sorte de ficar vivo) e ver que acabou toda a vida que conheci em segundos. As ruas. A vida de familiares ou vizinhos. As escolas onde estudei. Os locais onde fui feliz.

Sendo honesto, não sei imaginar nem consigo.

Não consigo imaginar o que é acordar e estar num local onde podem estar mortos por todo o lado debaixo de escombros. Crianças, adultos, animais, tudo. Não vale a pena sermos egoístas e dizermos em conversa de café que “imagino como será lá estar” … Não, não imaginamos coisa nenhuma. Nem na Turquia nem na Ucrânia.

Não consigo imaginar a aflição e a dor dos vivos na procura de alguma notícia ou resto físico dos seus entes queridos, mortos nos escombros. Não consigo imaginar a minha realidade com esse espelho de destruição material e humana. Não consigo, não sei e espero nunca saber como é ter essa dor. Será sinal de que tive a sorte de viver sempre sem passar por situações destas.

Sim, a sorte. Se acharmos que na vida tudo é mau, saibamos do bom que temos e da sorte que temos face a outros locais deste planeta.

Quando paramos para refletir a fundo sobre o que poderá ser “estar do lado de lá” da sorte da humanidade, como ocorre na Ucrânia e ocorreu na Turquia, devíamos pensar que: Perdemos na vida muito tempo a preocupar-nos com o que poderá correr mal, e o que acaba por correr mal na vida são sempre coisas que nunca nos preocuparam nada no nosso dia a dia.

Vivemos numa área de conforto físico e mental que nos colocará sempre na arrogância de pensar que “imagino como é” e nem temos a mínima noção de como está o território, quanto mais como é a situação.

Vemos, na Ucrânia e na Turquia, milhares ou milhões de famílias destruídas. Traumas e dor que vão demorar uma vida a ficar menores e nunca vão desaparecer. Cidades e Aldeias destruídas na sua totalidade e que quem tiver a meia-idade não terá tempo de vida para recuperar imagens da “sua terra” de pé, vão viver o resto das suas vidas a reerguer escombros. Pessoas que tinham os seus negócios e que agora vão precisar de uma ou mais décadas para ver novamente a sua vida reerguida a nível profissional.

Temos a sorte de não saber o que é ficar sem a nossa casa e a nossa cidade por sermos bombardeados, sem ter feito nada que o justifique.

Temos sorte por não ver parte da família, ou vizinhos e amigos, morrerem com um míssil ou um ataque aéreo que destruiu as suas casas e ruas.

Temos sorte por não ter de fugir da nossa terra, do nosso país, porque estão a destruir tudo o que nos fez crescer durante a nossa vida, sejam as ruas, os amigos ou os cheiros da nossa terra.

Temos sorte por nunca ter estado a dormir e ver o nosso “Mundo” real acabar em menos de dois minutos.

Temos sorte por nunca ter de ficar sem nada, roupas, bens materiais e casa em dois minutos.

Temos sorte por não ter de andar na rua à procura de roupa para nós ou familiares a temperaturas perto de zero.

Temos sorte por não ter de andar de escombro em escombro à procura de amigos ou familiares sem saber se estão vivos ou mortos.

Temos sorte de não saber o que poderá ser nunca encontrar um familiar, provavelmente morto, em escombros e viver a vida toda sem uma despedida agarrados a uma esperança de que tenha sido pouco cruel.

Temos muita sorte mesmo. A sorte em não viver a dor que se vive, sem culpa e sem aviso, na Ucrânia e na Turquia.

Se pensarmos a fundo na pergunta “E se fosse aqui? E se fosse comigo?”, sem o egoísmo ou a sobranceria de achar que sabemos o que é lá estar, será que não podemos trilhar um caminho melhor para nós e para a sociedade?

Tudo muda na vida.

Vivemos na bolha do populismo e necessidade de reconhecimento público. Vivemos em notícias fugazes e na espuma dos dias de notícias e coisas que valem zero para a nossa felicidade e de quem nos rodeia. Vivemos alheados de que tudo pode mudar em segundos, minutos ou meses na vida que temos como adquirida.

Estes dois casos, e há milhares no planeta que todos habitamos, devem deixar clara a nossa forma de encarar o dia a dia: Viver tudo como se fosse uma despedida, porque é.

Em segundos tudo muda, e não sabemos quando será a nossa altura de não ficar cá para contar a história, ou, quando contaremos a dor por ter perdido parte da nossa vida sem esperar.

Saibamos, nos escombros da humanidade nestes dois países, extrair algo de positivo para a nossa vida e erguer os nossos futuros em comunidade e sociedade de forma mais humana. Seja onde for.