É aterrador o poder que um car mount pode ter na vida de alguém. Pergunta bem, caro leitor. Um car mount é um daqueles engenhos que permitem que uma câmara de filmar – ou um telemóvel, ou um GPS – fique suspensa e atrelada a uma parte de um automóvel. Neste caso, esse alguém é Hélio Catarino, um jovem cozinheiro natural das Caldas da Rainha, que em 2011 decidiu fazer um vídeo de 49 segundos chamado “Fail like a boss – EPIC”. Optamos por não entrar em minúcias, em que descreveríamos todo o vídeo, até porque rara é a pessoa que nunca o viu, ou que nunca disse as célebres frases que ficaram: “Sai da frente, Guedes” e “O medo é uma cena que a mim não me assiste”.
Recuperemos então o tal car mount. É que, e isso sim, talvez não se saiba, o vídeo só existe porque, no dia em que o fizeram, uns amigos de Hélio, estudantes de multimédia na ESAD das Caldas da Rainha, tinham recebido esse equipamento e quiseram testá-lo. “Há sempre alguém que tem de dar o corpo ao manifesto”, afirma Hélio. O resultado não fustigou o físico – uma pequena luxação no ombro passou em três dias –, mas criou um tornado online capaz de virar o quotidiano do cozinheiro numa tempestade de telefonemas, passível de ser traduzida em 5 mil visualizações na primeira hora no YouTube. “Na altura vivíamos todos na mesma casa. Quando me apercebi do número de visualizações após uma hora de estar online, disse ao pessoal: ‘Façam o que quiserem, eu vou dormir que amanhã vou ter problemas.’ Quando acordei já estava incontrolável”, conta.
Ainda assim, Hélio não desmarcou o programa do fim-de-semana que se seguiu ao tumulto mediático e seguiu para o festival Milhões de Festa, em Barcelos. Depois disso tentou ser criativo numa agência de publicidade mas viu que não era para ele. Em 2012 entrou na terceira edição da “Casa dos Segredos”, decisão de que se arrepende. “Quis curtir a experiência. A questão é que nunca tinha visto aquilo, se tivesse visto não teria entrado. Isto porque ficamos rotulados com isso, põem-nos um estigma. Não vou dizer que sou mais inteligente que todos os outros que passaram por lá, mas não saio à noite para ser visto, não é o meu tipo de vida”, diz o ex-concorrente, nomeação que garante impedi-lo de criar, por exemplo, o seu canal de receitas no YouTube, por falta de patrocínio.
Actualmente continua a trabalhar na Adega do Albertino, o restaurante de cozinha tradicional portuguesa da família, na localidade de Imaginário, a 3 quilómetros das Caldas da Rainha – motivo pelo qual muitos o conhecem como Hélio Imaginário. Diz-se “o mesmo rapazinho”, que não ganhou tiques de vedeta e que por acaso conseguiu um iPhone 6 através da NOS VIPS: “Isso sim, foi altamente”, remata.
Como sempre, nunca hão-de faltar conclusões positivas a retirar de páginas que não nos orgulhamos de ver escritas. No caso de Hélio, o facto de o vídeo ter corrido mundo – com traduções a rigor em múltiplas línguas – serviu de alavanca para melhor se mover na comunidade skater, sobretudo a de longboard. Já esteve em inúmeros spots tradicionais da prática: “Se tu quiseres ir passar uma semana à Suíça a skatar posso perguntar ao pessoal de Madrid se conhecem alguém onde possas ficar a dormir, o networking é incrível”, confessa antes de nos contar uma história digna de uma celebridade à solta no mundo normal. “Isto do skate foi o melhor que tirei do espalho. Imagina o que é estares em Madrid numa concentração de skate e vem um cota de 75 anos, o primeiro a abrir uma skateshop na Europa, e começa a olhar para ti e diz-te: ‘Não acredito, estás aqui?’ Fiquei estupefacto.”
Em 2011 Hélio Catarino tinha 26 anos.
Actualmente já vai nos 30 e o pior já passou, embora nem sempre tenha sido fácil. “As pessoas não se esquecem do vídeo. Já consegui demarcar--me um bocado da ‘Casa dos Segredos’ mas vou sempre ser o Guedes. Quando, na verdade, o Guedes é meu amigo. Posso dizer que na altura cheguei a ter uma crise de identidade, não sabia se era o Guedes se era o Hélio”, conclui o Hélio. Ou o Guedes, vá-se lá entender.