SpongeBob. As estranhas vozes que chegam do fundo do mar


Está longe de ser um conto de fadas, uma história para crianças convencional ou consensual. Há uma esponja da louça meia esburacada que vive dentro de um ananás no fundo do mar. Há um caracol que mia, um artista egocêntrico e maldisposto que é caixa numa loja de hambúrgueres e uma estrela do mar disforme,…


Está longe de ser um conto de fadas, uma história para crianças convencional ou consensual. Há uma esponja da louça meia esburacada que vive dentro de um ananás no fundo do mar. Há um caracol que mia, um artista egocêntrico e maldisposto que é caixa numa loja de hambúrgueres e uma estrela do mar disforme, patética e preguiçosa. Há o vilão da história, um pequeno e maléfico pedaço de plâncton, e uma esquila bióloga que faz lembrar uma astronauta e percebe de artes marciais. Há, por fim, um caranguejo que é pai de uma baleia, dono da hamburgueria da cidade aquática de Bikini Bottom, e um patrão explorador.

Quando João Araújo foi convidado, há mais de dez anos, para fazer a voz de Mr. Krabs, o caranguejo ganancioso, a reacção teve pouco de politicamente correcta, sobretudo para um actor à procura de um novo part-time: “O quê?!” A premissa da série de desenhos animados “Spongebob” – que se preparava para estrear na SIC às 7h da manhã – e

as personagens eram tão bizarras, quase a roçar o surrealismo, que nenhum dos actores ficou propriamente entusiasmado. Mais de uma década depois, Mário Bomba, que dá a voz a Patrick Star – a estrela do mar mais idiota de que há memória nas histórias para crianças -, continua a achar que os guionistas “não devem ser bons da cabeça”.

Em 2000, o universo nonsense da série passou despercebido em Portugal. “Era um sucesso tremendo em países como Espanha, Estados Unidos ou Brasil, mas cá demorou a pegar”, recorda Pedro Cardoso, que dirige o elenco e é a voz de SpongeBob. O público português estranhou, mas a série acabou por se entranhar e hoje há uma legião de seguidores das aventuras da esponja aquática – que não é só constituída por crianças. “Os miúdos ficam fascinados com o lado absurdo das histórias, em que tudo acontece muito depressa, com ritmo e muitas cores, mas há uma leitura paralela, muito adulta, e que fascina os pais”, acredita o actor Nuno Machado, que é a voz de Squidward, um artista mal-humorado e frustradíssimo que tem como hobbie obsessivo pintar auto-retratos e se vê obrigado a ser caixa numa loja de hambúrgueres – a pior das humilhações para um ser elevado e culto.

Prova de que a série de televisão pegou é a estreia concorrida, nos cinemas, de “SpongeBob – Esponja fora do Mar”. Para a dobragem do filme, que se estreou esta semana, foi convidado um elenco especial: o dos animadores do Café da Manhã da RFM (Nilton, André, Joana e Mariana Alvim). Mas na retaguarda dos holofotes continuam os seis actores que fazem as vozes dos habitantes de Bikini Bottom há quase 15 anos. Juntos já gravaram mais de duas centenas de episódios. E se no início Mário Bomba, Pedro Cardoso, Nuno Machado, Alexandra Diogo, João Araújo e Rómulo Fragoso – que não está na fotografia e empresta a voz ao vilão Plankton, arqui-inimigo de Krabs e que tenta roubar a qualquer custo a fórmula mágica dos hambúrgueres – estranham as personagens, agora já não conseguem despir-se delas. “Dificilmente conseguiríamos conceber, por exemplo, qualquer das personagens feita por outro actor”, admite Alexandra Diogo. “E cada um vestiu de tal forma a série que hoje encontramos semelhanças entre cada um de nós e a personagem que dobramos”, acrescenta Mário Bomba. Se Squidward é um intelectual virtuoso e pachorrento, Nuno Machado não é muito diferente: “Faz as coisas ao seu ritmo”, descreve Pedro Cardoso, que também tem “tudo” de SpongeBob, o “ingénuo” da série, que nunca encontra maldade em nada. Alexandra Diogo é tão “eléctrica, optimista e céptica” como Sandy Cheeks e João Araújo tem o “lado profundamente gozão” do ganancioso Krabs. A comparação é mais difícil para Mário Bomba: afinal Patrick Star não é propriamente um modelo seja para o que for: é disparatado, feio e idiota. “A piada da personagem é essa e eu tenho esse humor muito infantil, muito básico e genuíno.”

Sobre o filme, que estreou na quinta-feira e foi dobrado em menos de duas semanas entre maratonas que duraram até às cinco da manhã nos Estúdios da Matinha, em Lisboa, é preferível não adiantar muito. Apenas que SpongeBob e os amigos vão ter de sair do fundo do mar para recuperar a fórmula mágica dos hambúrgueres, roubada por um pirata. Se debaixo de água o mundo é por demais absurdo, em terra as aventuras da esponja amarela e da estranha trupe que a acompanha prometem. J