Por Isabel Trancoso
Há um sem número de trabalhos sobre a importância de atrair mulheres para as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM), mas há ainda relativamente poucos estudos sobre a importância de atrair mulheres para a área de Inteligência Artificial (IA). A IA é uma palavra-chave do século XXI, embora os seus primórdios sejam bem anteriores. Hoje em dia, as abordagens de IA, nomeadamente as focadas em redes neuronais profundas (deep neural networks), são pervasivas em muitas áreas de engenharia.
Os estudos a nível mundial sobre a representatividade de mulheres em IA mostram que as percentagens não diferem radicalmente das de outros ramos de engenharia (informática e electrotécnica, por exemplo) – cerca de 25%. Para mim, esta baixa percentagem não é desanimadora – é apenas o resultado de uma falta de divulgação sobre o enorme potencial da IA em termos de impacto societal, sobre as oportunidades de trabalho verdadeiramente interdisciplinares que esta área promove e sobre o papel destacado que as mulheres têm já desempenhado nestas áreas. O que torna a IA uma área única, e na qual é tão importante haver representatividade de todos os tipos de pessoas, com aptidões muito diversas, é intervir em campos de aplicação muito interdisciplinares, como saúde, finanças, marketing, direito, gestão, moda, defesa, transportes, jogos, etc., e aprender modelos a partir de dados reais de todos esses domínios. Pode ser mais evidente em chatbots, robots, sistemas de recomendação, tradução, ou navegação, mas na realidade está já subjacente em muitas outras aplicações com as quais lidamos diariamente. Não é uma área em que só interessa a tecnologia pela tecnologia, mas sim pelo enorme impacto societal que as suas aplicações podem ter. Isso é algo que deve atrair rapazes e raparigas, e importa divulgar.
No Instituto Superior Técnico, como em muitas outras escolas pelo mundo fora, há teses excepcionais nas mais variadas áreas de IA quer no masculino, quer no feminino, tanto de doutoramento como de mestrado. E as mulheres formadas nesta área estão a dar cartas em muitas empresas no país e por esse mundo fora. Está na altura de divulgarmos os percursos destas nossas “estrelas”, para que possam ilustrar as mil e uma oportunidades nas áreas de IA e inspirar mais a segui-las.
Foi assim que surgiu a ideia de fazermos vídeos curtos de alunas e antigas alunas em IA, em que nos falam sobre o seu trabalho e o que mais as atrai nestas áreas fortemente interdisciplinares. No primeiro vídeo a ser gravado, a investigadora Catarina Botelho fala do tópico escolhido para a sua tese de mestrado – a detecção de doenças que podem afectar a fala através da sua análise com abordagens de IA – com um entusiasmo contagiante. Acaba com a frase: “É incrível fazer parte da comunidade de inteligência artificial do Técnico”. O vídeo desta actual aluna de doutoramento serviu como piloto da iniciativa e a frase-chave foi adoptada por muitas das participantes.
A área da saúde é o tópico mais representado neste primeiro conjunto de vídeos, cobrindo desde a recuperação pós-AVC, à detecção de lesões na pele e à psiquiatria computacional. Várias alunas/alumnas partilham connosco o seu entusiasmo pelos robots, tanto no contexto de interacção com crianças com espectro do autismo ou com dificuldades visuais, como no contexto de robots socialmente inteligentes, capazes de trabalhar em equipa. A área do processamento da língua natural está também bem representada, com as suas inúmeras aplicações.
Algumas participantes falam do seu percurso do Técnico no presente – são investigadoras pós-doutoradas ou professoras convidadas, num dos casos leccionando precisamente Aprendizagem Automática. Outras falam do seu percurso no Técnico já no passado e descrevem as suas actuais carreiras promissoras em firmas de biotecnologia, tradução automática,apoio ao cliente, etc., todas elas com enorme impacto no tecido empresarial Português.
Destacar “role models” no feminino é também o objectivo do Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, que o Técnico promove desde 2016. O prémio distingue anualmente uma antiga aluna do Técnico que tenha completado o seu ciclo de estudos há mais de 15 anos (Role Model) e que se tenha destacado pelas suas contribuições profissionais e/ou sociais, e uma recém-graduada do Técnico (Young Alumna) que se tenha destacado pela qualidade científica da dissertação de Mestrado e pelo seu percurso académico.
Em 2020, a role model foi uma das mulheres em AI mais bem-sucedidas a nível mundial – Manuela Veloso, um orgulho para todas nós. Em 2022, uma das premiadas na categoria de Young Alumna foi precisamente a Catarina Botelho, ex aequo com Hemaxi Narotamo, que também aplicou métodos de IA em biologia.
A ideia dos vídeos Girls in AI@Tecnico não se esgota nesta pequena amostra. Vamos continuar a recolher depoimentos e amostrar todo o potencial da IA e a sua enorme interdisciplinaridade.
Algumas das participantes reclamam com o nome da iniciativa, por já não se sentirem na faixa etária das Girls. Mas o objectivo é mesmo atrair mais “miúdas” para esta área e gravar role models no feminino de todas as idades. Muitos dos vídeos recolhidos mencionam que estas jovens vieram para o Técnico sem saber bem que área escolher, mas todas falam agora com um brilhozinho nos olhos do entusiasmo que sentem pela área de IA. Esperemos que contagiem muitas outras!
Professora aposentada do Instituto Superior Técnico / Investigadora no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Investigação e Desenvolvimento (INESC ID)