Pequenotes mas atrevidotes


Dir-se-ia que, no Mundial 2022, os pequenos japoneses e sul-coreanos fazem questão de provar que “os homens não se medem aos palmos”. O Espanha-Japão foi sobremaneira revelador e Morita, descendente mitológico da deusa Amaterasu, sobrelevou Morata, “sangre” de El Cid Campeador. Entrementes, no mercado nacional dos palonços um “analista” do jogo da bola deu como…


Dir-se-ia que, no Mundial 2022, os pequenos japoneses e sul-coreanos fazem questão de provar que “os homens não se medem aos palmos”. O Espanha-Japão foi sobremaneira revelador e Morita, descendente mitológico da deusa Amaterasu, sobrelevou Morata, “sangre” de El Cid Campeador. Entrementes, no mercado nacional dos palonços um “analista” do jogo da bola deu como “vendida” a Espanha no duelo com os nipónicos, propondo uma realçadamente estúpida comparação com um Argentina-Perú dos tempos ditatoriais de Videla, Massera ou Galtieri…!

Petrónio inventou na remota corte romana a novela picaresca, que os japoneses pontapearam para bem longe das suas participações nos mundiais de futebol. Não obstante a popularidade do sumo, arte marcial, tudo sugere que no país de Yasunari Kawabata se cultiva o futebol desde o século XIX. À falta de unanimismos, as versões existentes podem valer tanto como as que se reportam aos primitivos samurais, os guerreiros vassalos dos senhores feudais. Desinibidos, os nipónicos logo em 1917 se dengam no perigoso repto de um jogo internacional: defrontam, em Tóquio, a selecção das Filipinas. O desaire, ribombante: 15 vezes foram os nipónicos buscar o esférico ao fundo das suas redes. Fizeram o gosto ao pé somente em duas ocasiões. Dá que excogitar: a selecção nipónica de 1917 resumia-se aos 18 ou 20 praticantes do Clube de Futebol de Tóquio (Tokyo Shukyu Dan). Praticantes fundacionais não seriam: em Tóquio, estudiosos “regionalistas” defendem que o primeiro jogo oficial no país disputaram-no em 1888 as equipas do Kobe & Athletic e do Yokohama Country.

Num mundial de metáforas, o Espanha-Japão dificilmente escaparia ao mito de Adão (Iaanagi) e Eva (Izanami). Ganharam os descendentes de Iaanagi, os acrobatas chamados Takura, Junya Ito, Maya Yoshida ou Hidemasa Morita exibindo por terra, mar e ar, as faculdades físico-atléticas do campeoníssimo de sumo, Hakuho, rival de Kisenosato nas artes marciais. O mesmo Hakuho que em 2021 recolheu, pesaroso, à sua Mongólia natal, infectado com o coronavírus, preparava-se ele para o “Grande Torneio de Ano Novo”. A Espanha, com um futebol competente e, não raro, de coruscante plasticidade, soçobrou diante de verdadeiros rikishis, os gladiadores do Japão hodierno, compatriotas de Kawabata, Kenzaburo e Ishiguro, três prémios Nobel de Literatura…!

*Jornalista. Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Pequenotes mas atrevidotes


Dir-se-ia que, no Mundial 2022, os pequenos japoneses e sul-coreanos fazem questão de provar que “os homens não se medem aos palmos”. O Espanha-Japão foi sobremaneira revelador e Morita, descendente mitológico da deusa Amaterasu, sobrelevou Morata, “sangre” de El Cid Campeador. Entrementes, no mercado nacional dos palonços um “analista” do jogo da bola deu como…


Dir-se-ia que, no Mundial 2022, os pequenos japoneses e sul-coreanos fazem questão de provar que “os homens não se medem aos palmos”. O Espanha-Japão foi sobremaneira revelador e Morita, descendente mitológico da deusa Amaterasu, sobrelevou Morata, “sangre” de El Cid Campeador. Entrementes, no mercado nacional dos palonços um “analista” do jogo da bola deu como “vendida” a Espanha no duelo com os nipónicos, propondo uma realçadamente estúpida comparação com um Argentina-Perú dos tempos ditatoriais de Videla, Massera ou Galtieri…!

Petrónio inventou na remota corte romana a novela picaresca, que os japoneses pontapearam para bem longe das suas participações nos mundiais de futebol. Não obstante a popularidade do sumo, arte marcial, tudo sugere que no país de Yasunari Kawabata se cultiva o futebol desde o século XIX. À falta de unanimismos, as versões existentes podem valer tanto como as que se reportam aos primitivos samurais, os guerreiros vassalos dos senhores feudais. Desinibidos, os nipónicos logo em 1917 se dengam no perigoso repto de um jogo internacional: defrontam, em Tóquio, a selecção das Filipinas. O desaire, ribombante: 15 vezes foram os nipónicos buscar o esférico ao fundo das suas redes. Fizeram o gosto ao pé somente em duas ocasiões. Dá que excogitar: a selecção nipónica de 1917 resumia-se aos 18 ou 20 praticantes do Clube de Futebol de Tóquio (Tokyo Shukyu Dan). Praticantes fundacionais não seriam: em Tóquio, estudiosos “regionalistas” defendem que o primeiro jogo oficial no país disputaram-no em 1888 as equipas do Kobe & Athletic e do Yokohama Country.

Num mundial de metáforas, o Espanha-Japão dificilmente escaparia ao mito de Adão (Iaanagi) e Eva (Izanami). Ganharam os descendentes de Iaanagi, os acrobatas chamados Takura, Junya Ito, Maya Yoshida ou Hidemasa Morita exibindo por terra, mar e ar, as faculdades físico-atléticas do campeoníssimo de sumo, Hakuho, rival de Kisenosato nas artes marciais. O mesmo Hakuho que em 2021 recolheu, pesaroso, à sua Mongólia natal, infectado com o coronavírus, preparava-se ele para o “Grande Torneio de Ano Novo”. A Espanha, com um futebol competente e, não raro, de coruscante plasticidade, soçobrou diante de verdadeiros rikishis, os gladiadores do Japão hodierno, compatriotas de Kawabata, Kenzaburo e Ishiguro, três prémios Nobel de Literatura…!

*Jornalista. Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990