No final do século XX Portugal viveu duas datas que gostamos de evocar: a data em que derrotámos o fascismo (25 de Abril) e a data em que implementámos a democracia (25 de Novembro).
Muitas vezes essas datas fazem pairar clivagens entre a esquerda e a direita, como se alguma pudesse reclamar a data só para si.
Esse é o primeiro erro que precisamos de corrigir: nem Abril foi feito sem a direita portuguesa, nem Novembro foi feito sem a esquerda portuguesa.
No entanto há algo que Abril e Novembro partilham: a luta contra a ditadura dos extremismos.
E se em Abril se lutou contra a ditadura da extrema-direita, em Novembro lutou-se contra a tentativa de golpe de Estado que tentava implementar uma ditadura da extrema-esquerda.
E Abril e Novembro partilham outro legado importante: o da inclusão. Hoje, na Assembleia da República, temos representação partidária da extrema-esquerda à extrema-direita, diferentes visões, mas o mesmo respeito pela democracia que o 25 de Novembro conquistou.
E hoje passam seis dias sobre o 47.º aniversário do dia que nos abriu o caminho para a democracia, que nos permite hoje conviver na diferença, exigir um país melhor, lutar pelos nossos ideais: 25 de Novembro de 1975.
Saídos do desnorte do Processo Revolucionário em Curso (PREC), militares, políticos e sociedade em geral, recusaram caminhar para longe dos ideais de Abril.
Escolhemos o caminho da democracia, imperfeita porque todos os dias se constrói, mas é em democracia que escolhemos viver.
Quase meio século depois a discussão mantém-se.
Não existiu uma matriz ideológica nem numa data nem em outra. Todos ansiavam por liberdade, quase todos escolheram a democracia.
Percebe-se quem tem a nostalgia do que nunca aconteceu, percebe-se a frustração de quem não gostaria que tivesse acontecido, mas não se percebe a hesitação de quem também contribuiu para que Novembro acontecesse. É negar a sua própria história.
Neste percurso que em 2025 completará 50 anos, cometeram-se erros e acertos. É o que acontece em qualquer percurso, mas manter uma reserva inexplicável sobre o sobressalto cívico e militar que nos afastou de um futuro tenebroso, que nos levaria a uma nova ditadura, é demasiado confuso.
Todos os anos evocamos o passado, glorificamos os intervenientes, afirmamos as nossas convicções. Porém, raramente falamos sobre a importância desses momentos para os tempos que ainda queremos viver e para o mundo que nos rodeia.
Esse mundo onde as sombras se adensam e se verificam impunes e grosseiras violações do direito soberano dos povos fazerem as suas escolhas livremente. Nas latitudes mais diversas, onde vemos a negação da autodeterminação de povos, onde permanecem ditaduras ferozes e espreitam vontades declaradas de aniquilar a liberdade e a democracia, devemos lembrar e celebrar Novembro.
E ao recordarmos o passado, não podemos permitir que sirva apenas como candelabro cristalizado na nossa memória coletiva.
Temos por isso de pensar o futuro do 25 de Novembro.
Porque honrar o legado de Novembro deve passar por projetá-lo para outros povos espalhados por esse mundo fora, para que os guiem nos desafios e nas lutas que travam, na ambição da democracia que Novembro representa.
Presidente da concelhia do PSD/Lisboa e presidente da Junta de Freguesia da Estrela