Brugge. A sinfonia inacabada do homem que julgava ser Beethoven

Brugge. A sinfonia inacabada do homem que julgava ser Beethoven


É impossível descolar a história do futuro adversário do Benfica de Ernst Happel, o treinador austríaco que levou o clube à final da Taça dos Campeões em 1978  depois de uma final da UEFA em 1976.


Ernst Happel começou a jogar futebol nos juniores do Rapid de Viena em 1938, ele que nasceu em Viena no dia 29 de Novembro de 1925, e todos os jovens do Rapid foram obrigados, no seu tempo, a fazer parte das Hitler Jugend, as Juventudes Hitlerienas. Happel sempre foi um fulano teimoso. Testudo, gostam de dizer alguns dos mais antigos. E era testudo como poucos: recusava-se a cantar o hino e foi expulso por causa disso. Gabava-se do episódio. E do facto de, testudo, ter uma testa enorme, auxiliada pelas entradas precoces de falta de cabelo, que o fazia ter algumas parecenças com o compositor Ludwig van Beethoven, parecenças que ele cultivava com um enigmático prazer. Jogava na defesa e tinha qualidade. Foi sempre do Rapid tirando os dois anos (1955 e 1956) em que jogou no Racing de Paris. Internacional pela Áustria, esteve presente nos Jogos Olímpicos de 1948, e nas fases finais dos Campeonatos do Mundo de 1954 (a Áustria ficou no terceiro lugar) e de 1958. Depois, como já era uma espécie de treinador dentro das quatro linhas, passou a ser treinador fora delas, e que treinador dos diachos! Um dos melhores de todos os tempos, tal como o provou em tantos clubes (e na selecção da Holanda que levou à final do Mundial de 1978, na Argentina). Ficou para sempre ligado à história do Brugge, um Brugge que de forma um tanto ou quanto surpreendente se qualificou para os oitavos-de-final da decorrente Liga dos Campeões, sendo capaz de bater o FC Porto, no Porto, por gordos 4-0, e caindo agora, por via do sorteio de segunda-feira, numa medição de forças com o Benfica. Única equipa belga que, até hoje, atingiu a final da Taça/Liga dos Campeões, perdendo em 1978 para o Liverpool por 0-1, golo de Dalglish, em Wembley. Dois anos antes, o Brugge tinha chegado à final da Taça UEFA, também perdida para o Liverpool, em duas mãos, 2-3 e 1-1. O treinador já era, como podem calcular, Ernst Happel. E já tinha conquistado a Taça dos Campeões em 1970, com os holandeses do Feyenoord vencendo o Celtic na final, como voltaria a ganhá-la em 1983, desta vez à frente do Hamburgo, vencendo a Juventus.

A glória do Brugge O Club Brugge Koninklijke Voetbalvereniging foi fundado no dia 13 de Novembro de 1891 e foi com Happel que atingiu os melhores resultados nas competições europeias da sua já bem mais do que centenária história.

Para lá chegar foi obrigado, naturalmente, a ter sucesso interno. E tendo chegado ao clube no ano de 1974, Happel tratou do assunto conquistando três títulos consecutivos de campeão belga. Na primeira época juntou o título à presença na final da Taça UEFA. Na segunda, já esteve presente na Taça dos Campeões, começando por eliminar o Steua de Bucareste (2-1 e 1-1), sendo eliminado em seguida pelo Real Madrid (0-0 e 0-2). 1977-78 foi uma corrida até à final marcada para Wembley: Kuopinon Palloseura, da Finlândia (4-0 e 5-2), Panathinaikos, da Grécia (2-0 e 0-1), Atlético de Madrid, Espanha (2-0 e 2-3) e Juventus, Itália (0-1 e 2-0, após prolongamento). Happel voltava a conseguir o impossível, repetindo o que fizera em Roterdão, com o Feyenoord. Mas apesar de tirar o máximo de jogadores da categoria de Fons Bastjins, defesa direito e capitão de equipa, Georges Leekens, Julien Cools, Renée Vandereycken, e da dupla avançada constituída pelo húngaro Kajos Kü e pelo dinamarquês Jan Sorensen, não conseguiu bater o Liverpool de Clemence, McDermott, Souness, Heighway, Ray Kennedy, Hughes, Phil Neal, Emelyn Hughes e Kenny Dalglish (marcou o único golo da partida aos 64 minutos), treinado por Bob Paisley e que tinha arrasado o Benfica nos quartos-de-final. Happel foi muito criticado por ter surgido em Wembley com uma equipa muito defensiva mas que, na verdade, soube manter o campeão europeu longe da baliza de Birger Jensen durante a maior parte do tempo. E com a arrogância própria de um Beethoven, limitou-se a comentar no fim: “Este Liverpool desiludiu-me. É uma sombra daquela equipa que nos venceu na final da Taça UEFA!”