O plano ferroviário nacional, recentemente aprovado, ambiciona que em 2050 se dupliquem as quotas da ferrovia no transporte de mercadorias. Isto significa em termos práticos 20% do transporte de passageiros e 40% do transporte de mercadorias.
A CP em 2005 transportou 10 milhões de toneladas / ano, e existe atualmente uma expectativa de chegar no próximo ano a 7,8 milhões de toneladas. Nas exportações, a repartição modal do transporte de mercadorias é de cerca de 51,5% no transporte marítimo, e 43,2% no transporte rodoviário, a via ferroviária não tem expressão nem na exportação nem na importação. Estes são os factos neste momento.
Pessoas e mercadorias precisam de circular de forma mais eficiente, factor indispensável da nossa produtividade e competitividade. Portugal tem-se mantido na fronteira entre as ligações à Europa e as ligações ao resto do mundo via Atlântico, sem uma estratégia clara para a rede de infraestrutura ferroviária, sobre se nos próximos anos estas estruturas de mobilidade devem ou não ser evolutivas ou disruptivas.
Um dos factores internos da nossa competitividade é uma boa articulação do território. Alguns autores defendem que com a alta velocidade podemos criar uma grande área metropolitana Braga – Setúbal. Nesta faixa temos cerca de 8 milhões de habitantes. De acordo com alguns peritos do sector uma área metropolitana deve ter um diâmetro temporal de um máximo de 2h30, necessidade de ter várias estações, sendo que nem todos os comboios têm de parar em todas as estações.
Do ponto de vista da estratégia de desenvolvimento do território é defensável a necessidade de ser disruptivo. A alta velocidade tem de chegar aos dois principais aeroportos internacionais. A linha que está anunciada de Lisboa a Madrid prevê um percurso de cerca de 5h30, é uma ligação em bitola ibérica para distribuir mercadorias, mas não é competitiva para passageiros.
Ao que parece, tão cedo não vamos ter hipótese de conseguir qualquer acordo de investimento / operação com Espanha para bitola europeia. Por isso é, até ver, uma discussão estéril. A nossa estratégia tem de ser concentrada nos investimentos em bitola ibérica. Convém ainda não esquecer o efectivo bloqueio de canais horários que a França faz, e que é uma barreira à nossa competitividade para além dos Pirinéus. Portanto a nossa competitividade pode de facto melhorar, mas qualquer investimento neste domínio (para além de Espanha) terá muita dificuldade de ter retorno.
O custo é naturalmente um fator crítico, pois a ferrovia beneficia de uma vantagem de escala, quanto maiores as distâncias a percorrrer e maior a capacidade de carga menor o custo. No entanto, como se evidencia no plano ferroviário, a maioria da nossa rede só permite, em condições de utilização de capacidade máxima, comboios de 600m e de 500m, sendo reduzidos os troços onde podem circular comboios de 750m. Só os investimentos previstos no PNI2030 irão inverter esta situação com um impacte significativo na eficiência da rede ferroviária de mercadorias. Note-se que o investimento necessário para que a linha permita a circulação de comboios mais longos prende-se sobretudo com o aumento do comprimento das linhas de resguardo.
Outros fatores têm de ser tidos em consideração, como a consolidação do sistema logístico, as ligações aos Portos, a competitvidade da ferrovia na relação qualidade-preço, etc. O sucesso da ferrovia no transporte de mercadorias não está na velocidade, mas sim na fiabilidade, e para atingir este atributo é necessária uma articulação intermodal.
Precisamos por isso de uma visão alargada que tenha em linha de conta não apenas a ferrovia mas a rede de mobilidade no seu todo, e as infraestruturas, em particular os Portos, como porta principal do sistema logístico.
No ranking mundial, tanto na ferrovia como nos portos, Portugal está abaixo do 25.º lugar, enquanto que na rodovia estamos em 8.º lugar. Temos de perceber o que nos leva a esta situação e o que devemos fazer para o up-grade dos Portos e da Ferrovia. Neste momento, todas as análises apontam para a necessidade de ter uma mudança na governação destes sectores optando por políticas mais integradas e de âmbito mais alargado, bem como uma maior especialização das infraestruturas. A eficência perde-se na falta de especialização, que por sua vez penaliza a competitividade, e também a integração da ferrovia com os outros modos, o que também exige especialização.
Professora e investigadora em transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico