Georges Paillot, alfaiate em Paris, com 62 anos, decidiu que iria continuar a dar a volta ao mundo a pé. Neste caso “a pé” é mesmo literal já que só tinha um. Pé no singular e não no plural. Georges perdeu a perna direita com apenas seis anos ao ser atropelado por um elétrico. Teve de crescer com a deficiência e habituou-se a menorizá-la. Mais tarde colocaram-lhe uma prótese e tornou-se um caminhante compulsivo. Andava por toda a parte com uma perna às costas, como costuma dizer o povinho de Santa Marta de Penaguião a Chão de Meninos, mas neste caso era mesmo sem ela de todo. Quando decidiu que estava pronto para dar a volta ao mundo limitado a uma perna sã e a pouco mais do que um pau para equilibrar do outro lado, tornou-se uma figura conhecida. Não apenas em França. Por todo o lado, a imprensa entretinha-se a revelar o seu descaramento divino.
Há que dizer que Georges Paillot não saiu uma manhã ensolarada de Paris para regressar quando todo o planeta tivesse sido calcorreado. A coisa foi feita aos poucos. E começou logo em 1925 quando tinha apenas 22 anos. Atravessou a França, de cidade em cidade, a Itália, a Suíça, a Bélgica e a Alemanha, antes de se ver obrigado a regressar a casa. Faltava-lhe capacidade económica para ir mais longe. Nessa altura não havia patrocinadores dispostos a gastar dinheiro no aventureiro perneta. Mas a teimosia fazia parte do feito de Georges. Quando enfiava uma coisa na cabeça não a deixava sair.
Passaram os anos. Em outubro de 1958 pôs-se novamente a caminho. Espanha, Portugal, Argélia, Dinamarca, Luxemburgo, Suécia, Noruega, Áustria, Jugoslávia e Grécia entraram nas contas de Paillot. E ele dizia: “Gozei, e muito, a minha viagem por todos esses países. Adoro andar a pé e não me considero um inválido. Nunca! Posso percorrer longas distâncias e aqui estou para provar isso mesmo”. Depois de mais um recolhimento em Paris, no dia 15 de novembro de 1965 estava em Istambul. O objectivo era seguir até Teerão, na então Pérsia, e daí caminhar até à Índia, atravessando o Afeganistão. Da Índia prosseguiria para a China e tentaria atingir o Extremo Oriente. Tipo duro, esse Paillot. “Em agosto de 1960 já tinha percorrido mais de 60 mil quilómetros a pé. Como veem estou mais do que preparado. Espero chegar ao Japão e depois ir de barco para os Estados Unidos que irei atravessar também a pé. Caminharei até morrer!” O alfaiate de Paris não tropeçava nas palavras.