Os populismos à conquista das democracias


O que faz mover a maioria dos que dão corpo a esta revolta populista contra as forças que se identificam com a democracia – e que são as que, em geral, vêm governando o chamado Ocidente – é a incapacidade destas para, precisamente, cumprirem hoje as esperanças numa vida melhor para todos.


De repente –  e como se não fosse já previsível – a direita populista e radical começa a ganhar posições fortes, ou mesmo de governo, nas mais variadas partes do mundo que, há mais tempo, ou mais recentemente, haviam escolhido como método de governo a democracia.

Olhamos, todavia, espantados, para as gigantes manifestações no Brasil, tendo de reconhecer, honestamente, que as pessoas que as integram não são apenas privilegiados, mesmo que saibamos que são estes os seus inspiradores.

Assistimos, atónitos, ao que se passa na Itália.

Antecipamos, preocupados, os resultados das eleições nos EUA.

Vemos na Alemanha, em França, na Península Ibérica, como movimentos e partidos da mesma índole se institucionalizam e crescem paulatinamente.

Presenciamos tudo isto e não compreendemos; ou, antes, não queremos compreender.

O que faz mover a maioria dos que dão corpo a esta revolta populista contra as forças que se identificam emblematicamente com a democracia – e que são as que, em geral, vêm governando sempre o chamado Ocidente – é a incapacidade destas para, precisamente, cumprirem, hoje, as esperanças numa vida melhor para todos.

O problema não se encontra, pois, tanto na contestação aos mecanismos democráticos da governação, mas no do levantamento popular contra a política económica, social e cultural que as chamadas forças democráticas passaram a sustentar quando, no governo, capitulam perante o pensamento neoliberal.

É nos efeitos do programa económico neoliberal, e, para compensar, na opção por algumas soluções socioculturais com que os democratas de várias tendências condescenderam e passaram a apoiar privilegiadamente, que se situa, no essencial, a razão de ser de parte do apoio popular ao atual radicalismo direitista.

Antecipando, pela primeira vez em muitos anos, um futuro mais pobre para si e para os filhos, e vendo, em simultâneo, abalados muitos dos valores – verdadeiros ou falsos – em que foram educados, uma parte muito significativa dos cidadãos procura, desorientada, uma resposta e um amparo nos que prometem mão dura para os alegados desvarios.

Na realidade, lendo os jornais, vendo a televisão, ouvindo a rádio ou mergulhando nas redes sociais, os cidadãos apenas conseguem ver o cenário negro que lhes transmitem; um cenário sem esperança, nem remédio.

E tanto faz ler, ver e ouvir os media nacionais ou os estrangeiros.

Em todos podemos constatar os mesmos problemas – reais ou empolados – e os mesmos bloqueios para os resolver.

A falta e o encarecimento exponencial da habitação; o desemprego ou emprego mal pago dos jovens e em especial dos que têm níveis de educação superior; a sempre invocada e convenientemente explorada menor capacidade de resposta dos serviços nacionais de saúde; a verdadeira deserção dos candidatos a professores na escola pública e o movimento massivo dos que se querem reformar; o preço crescente dos alimentos essenciais; o preço da energia; a escandalosa corrupção e subordinação dos projetos públicos aos interesses privados; a insegurança provocada pela criminalidade de rua, a banalização dos crimes sexuais, o aparente aumento da violência doméstica, os recém descobertos crimes contra as mulheres e os velhos.

Acresce que o sistema judicial dos diferentes países, que deveria garantir os direitos constitucionais e democráticos, é, entretanto, confrontado, também, com os parcos resultados que consegue obter.

Quando os obtém, estes pecam, normalmente, por tardios e socialmente ineficazes.

É fácil aos populistas da direita acusar, pois, as democracias e, sobretudo, o estado de direito, as constituições e as leis de serem responsáveis pela atual situação da maioria dos cidadãos.

Subtilmente – ou talvez não – eles não questionam, no entanto, o modelo económico que gerou todos os problemas que, com demagogia, exploram e que, verdadeiramente, flagelam a população e a revoltam.

Quanto a ele, mantêm um prudente silêncio.

Nisso, alguns democratas e os populistas parecem, aliás, entender-se bem: «não há alternativa», afirmam.

E, todavia, foi precisamente a existência de várias alternativas económicas e sociais que, depois da Segunda Grande Guerra, permitiu a muitos povos da Europa superar os fascismos que os dominaram, melhorar consideravelmente os seus direitos de cidadania, a sua condição de vida e antecipar um futuro melhor para a dos seus filhos.

Hoje, porém, muitos democratas – mais progressistas, ou mais conservadores – parecem bastar-se com o agitar e o empolar da resolução de algumas contradições socioculturais que afetam, de facto, grupos específicos de cidadãos, enquanto ignoram, ou põem mesmo em causa, o agravamento das que incidem, decisivamente, na manutenção de uma vida digna para a generalidade das pessoas.

Nesse olhar privilegiado para os problemas segmentados e específicos de alguns grupos de cidadãos, veem muitos outros – que sentem generalizadamente piorar de maneira flagrante e súbita o modo de vida que alcançaram – o abandono da defesa do bem comum: e disso responsabilizam os democratas.

Neste contexto, não deixa, por outro lado, de ser curioso que, num modelo de economia predominantemente liberal, tantos – e, nalguns casos, os mais economicamente poderosos – apelem, com inusitada frequência e vigor, ao Estado para que colmate as suas necessidades imediatas e, até, as injustiças que os seus ganhos exagerados geram na sociedade.

Exigem, assim, que paguemos todos o que – numa economia mais socialmente orientada – a eles, mais justamente, competiria satisfizer.

Com efeito, nunca como hoje, o Estado – sempre acusado de exorbitar as suas funções – foi chamado a resolver tantas e tão variadas insuficiências criadas pelo sistema económico social vigente.

Só que, ao contrário do que aconteceu no pós-guerra, essa intervenção estatal não é hoje estruturada, nem orientada politicamente, à edificação de uma sociedade estável e mais justa: tal intervenção funciona, predominantemente, como um assistencialismo “tapa buracos” das crises que o próprio sistema produz, cada vez mais frequentemente.

É na constatação e denúncia desta realidade contraditória e flutuante do papel do Estado que, com mais ou menos demagogia, se desenvolve, portanto, o ambíguo e oportunista discurso populista atual.

Ele não se assume como explícita e definitivamente antidemocrático, antes se arvorando em salvador da própria democracia: mesmo que seja de uma outra democracia e de uma outra legalidade que esteja já a falar.

Para o confrontar não bastam, assim, medidas avulsas nem respostas pontuais às injustiças mais gritantes.

É, pelo contrário, necessário que os democratas proponham, com coragem e convicção, uma política coerente, bem fundamentada na Constituição e nos direitos que esta assegura; uma política que seja obviamente responsável e, por isso, geradora de segurança no presente e de confiança num futuro melhor para todos.  

Os populismos à conquista das democracias


O que faz mover a maioria dos que dão corpo a esta revolta populista contra as forças que se identificam com a democracia – e que são as que, em geral, vêm governando o chamado Ocidente – é a incapacidade destas para, precisamente, cumprirem hoje as esperanças numa vida melhor para todos.


De repente –  e como se não fosse já previsível – a direita populista e radical começa a ganhar posições fortes, ou mesmo de governo, nas mais variadas partes do mundo que, há mais tempo, ou mais recentemente, haviam escolhido como método de governo a democracia.

Olhamos, todavia, espantados, para as gigantes manifestações no Brasil, tendo de reconhecer, honestamente, que as pessoas que as integram não são apenas privilegiados, mesmo que saibamos que são estes os seus inspiradores.

Assistimos, atónitos, ao que se passa na Itália.

Antecipamos, preocupados, os resultados das eleições nos EUA.

Vemos na Alemanha, em França, na Península Ibérica, como movimentos e partidos da mesma índole se institucionalizam e crescem paulatinamente.

Presenciamos tudo isto e não compreendemos; ou, antes, não queremos compreender.

O que faz mover a maioria dos que dão corpo a esta revolta populista contra as forças que se identificam emblematicamente com a democracia – e que são as que, em geral, vêm governando sempre o chamado Ocidente – é a incapacidade destas para, precisamente, cumprirem, hoje, as esperanças numa vida melhor para todos.

O problema não se encontra, pois, tanto na contestação aos mecanismos democráticos da governação, mas no do levantamento popular contra a política económica, social e cultural que as chamadas forças democráticas passaram a sustentar quando, no governo, capitulam perante o pensamento neoliberal.

É nos efeitos do programa económico neoliberal, e, para compensar, na opção por algumas soluções socioculturais com que os democratas de várias tendências condescenderam e passaram a apoiar privilegiadamente, que se situa, no essencial, a razão de ser de parte do apoio popular ao atual radicalismo direitista.

Antecipando, pela primeira vez em muitos anos, um futuro mais pobre para si e para os filhos, e vendo, em simultâneo, abalados muitos dos valores – verdadeiros ou falsos – em que foram educados, uma parte muito significativa dos cidadãos procura, desorientada, uma resposta e um amparo nos que prometem mão dura para os alegados desvarios.

Na realidade, lendo os jornais, vendo a televisão, ouvindo a rádio ou mergulhando nas redes sociais, os cidadãos apenas conseguem ver o cenário negro que lhes transmitem; um cenário sem esperança, nem remédio.

E tanto faz ler, ver e ouvir os media nacionais ou os estrangeiros.

Em todos podemos constatar os mesmos problemas – reais ou empolados – e os mesmos bloqueios para os resolver.

A falta e o encarecimento exponencial da habitação; o desemprego ou emprego mal pago dos jovens e em especial dos que têm níveis de educação superior; a sempre invocada e convenientemente explorada menor capacidade de resposta dos serviços nacionais de saúde; a verdadeira deserção dos candidatos a professores na escola pública e o movimento massivo dos que se querem reformar; o preço crescente dos alimentos essenciais; o preço da energia; a escandalosa corrupção e subordinação dos projetos públicos aos interesses privados; a insegurança provocada pela criminalidade de rua, a banalização dos crimes sexuais, o aparente aumento da violência doméstica, os recém descobertos crimes contra as mulheres e os velhos.

Acresce que o sistema judicial dos diferentes países, que deveria garantir os direitos constitucionais e democráticos, é, entretanto, confrontado, também, com os parcos resultados que consegue obter.

Quando os obtém, estes pecam, normalmente, por tardios e socialmente ineficazes.

É fácil aos populistas da direita acusar, pois, as democracias e, sobretudo, o estado de direito, as constituições e as leis de serem responsáveis pela atual situação da maioria dos cidadãos.

Subtilmente – ou talvez não – eles não questionam, no entanto, o modelo económico que gerou todos os problemas que, com demagogia, exploram e que, verdadeiramente, flagelam a população e a revoltam.

Quanto a ele, mantêm um prudente silêncio.

Nisso, alguns democratas e os populistas parecem, aliás, entender-se bem: «não há alternativa», afirmam.

E, todavia, foi precisamente a existência de várias alternativas económicas e sociais que, depois da Segunda Grande Guerra, permitiu a muitos povos da Europa superar os fascismos que os dominaram, melhorar consideravelmente os seus direitos de cidadania, a sua condição de vida e antecipar um futuro melhor para a dos seus filhos.

Hoje, porém, muitos democratas – mais progressistas, ou mais conservadores – parecem bastar-se com o agitar e o empolar da resolução de algumas contradições socioculturais que afetam, de facto, grupos específicos de cidadãos, enquanto ignoram, ou põem mesmo em causa, o agravamento das que incidem, decisivamente, na manutenção de uma vida digna para a generalidade das pessoas.

Nesse olhar privilegiado para os problemas segmentados e específicos de alguns grupos de cidadãos, veem muitos outros – que sentem generalizadamente piorar de maneira flagrante e súbita o modo de vida que alcançaram – o abandono da defesa do bem comum: e disso responsabilizam os democratas.

Neste contexto, não deixa, por outro lado, de ser curioso que, num modelo de economia predominantemente liberal, tantos – e, nalguns casos, os mais economicamente poderosos – apelem, com inusitada frequência e vigor, ao Estado para que colmate as suas necessidades imediatas e, até, as injustiças que os seus ganhos exagerados geram na sociedade.

Exigem, assim, que paguemos todos o que – numa economia mais socialmente orientada – a eles, mais justamente, competiria satisfizer.

Com efeito, nunca como hoje, o Estado – sempre acusado de exorbitar as suas funções – foi chamado a resolver tantas e tão variadas insuficiências criadas pelo sistema económico social vigente.

Só que, ao contrário do que aconteceu no pós-guerra, essa intervenção estatal não é hoje estruturada, nem orientada politicamente, à edificação de uma sociedade estável e mais justa: tal intervenção funciona, predominantemente, como um assistencialismo “tapa buracos” das crises que o próprio sistema produz, cada vez mais frequentemente.

É na constatação e denúncia desta realidade contraditória e flutuante do papel do Estado que, com mais ou menos demagogia, se desenvolve, portanto, o ambíguo e oportunista discurso populista atual.

Ele não se assume como explícita e definitivamente antidemocrático, antes se arvorando em salvador da própria democracia: mesmo que seja de uma outra democracia e de uma outra legalidade que esteja já a falar.

Para o confrontar não bastam, assim, medidas avulsas nem respostas pontuais às injustiças mais gritantes.

É, pelo contrário, necessário que os democratas proponham, com coragem e convicção, uma política coerente, bem fundamentada na Constituição e nos direitos que esta assegura; uma política que seja obviamente responsável e, por isso, geradora de segurança no presente e de confiança num futuro melhor para todos.