Tenho seguido o mundo esta semana a partir de Maputo, onde estou enquanto copresidente da Assembleia Parlamentar Paritária África, Caraíbas e Pacífico / União Europeia (ACP/UE) a participar na sua 42ª Assembleia Geral.
Desde a capital de Moçambique segui as evoluções preocupantes da economia europeia, em particular com a decisão retrógrada do Banco Central Europeu em relação à politica monetária. Acompanhei também a ignóbil chantagem Russa sobre o mundo livre através do cancelamento do acordo para a circulação de cereais, num novo patamar da guerra gelada, esfomeada e alucinada que Putin congeminou.
Comemorei ainda, com alívio, esperança e receio de qualquer evidência golpista, a derrota de Bolsonaro e o regresso do Brasil, como potência multilateral e influente, à comunidade dos países em trajetória para uma democracia mais sustentável e plural.
Na Assembleia Parlamentar onde se sentam representantes de 106 países, com diversas histórias, filiações políticas e convicções ideológicas, temos vindo a debater os temas mais atuais, em particular o impacto da invasão da Ucrânia nos países mais vulneráveis de África, Caraíbas e Pacífico, o terrorismo no Sahel, a defesa da biodiversidade, a estratégica comum para a COP27 que se realiza a partir de 6 de novembro no Egipto e o papel do comércio justo na consolidação da parceria.
A diversidade das intervenções tem retratado a multiplicidade das experiências, mas o espírito de compreensão e de aceitação da opinião do outro, tem emanado de um debate em que é reconhecida a multiplicidade das identidades e a convergência num conjunto de objetivos comuns.
As identidades são naturalmente diferenciadoras num contexto tão diversificado como o dos países 106 países que integram a parceria ACP/UE. Há, no entanto, duas matrizes de diferenciação que não sendo surpreendentes, exigem um esforço acrescido de análise e flexibilidade, para que o diálogo seja possível e frutuoso.
A primeira, é a impossibilidade de replicar, sobretudo no contexto africano, a paleta política que faz com que, por exemplo, o Parlamento Europeu se faça representar por nove grupos políticos que varrem o arco-íris ideológico, desde a extrema direita à extrema-esquerda. Esta tipologia não cola com a tipologia das fraturas políticas africanas. A afluência dos diversos representantes africanos a eventos promovidos pelos grupos políticos europeus num contexto da Assembleia, daria um excelente tema de investigação e reflexão.
A segunda, é a dificuldade de muitos delegados em compreender como se pode ser, por exemplo, português e europeu, sem que uma identidade anule a outra. Na minha perspetiva, face às entorses com que a geografia dos países ACP e em particular de África se foi desenhando, a aceitação de uma dupla pertença ajudaria resolver muitos dos conflitos que dilaceram o continente.
Talvez por isso, aliás, seja tão apetecível aos inimigos da paz e da democracia, tentar enfraquecer esse tesouro político que União Europeia conseguiu construir nas últimas décadas e que merece ser defendido e partilhado, com respeito pleno pelas diferenças e pelos trajetos de cada País, Nação ou Continente.