Conhecemos esta semana a proposta de Orçamento do Estado para 2023 (OE’23), apresentada pelo Ministro socialista Fernando Medina.
Haverá aqui no online, em versões de papel de jornais, em podcast e em vídeos já milhares de opiniões aprofundadas, medida a medida, e bem mais capacitadas que as que eu poderia dar sobre a proposta de OE’23 entregue ao Presidente da Assembleia da República a 10 de outubro.
A questão aqui não será debater proposta a proposta, medida a medida, o que o Governo defende para 2023. Mas, sim, ver de forma global o que envolve esse ato político e, permitam o arrojo, avaliar o erro maior que qualquer questiúncula ideológica possa avaliar: A ausência de concordância que possa servir de base para uma discussão que abranja mais propostas de forma natural.
Não, esta crítica não é só aos partidos que hoje não são governo. O PS enquanto oposição é precisamente igual ao que assistimos.
Momentos após a entrega da proposta de OE’23, já todos os partidos tinham seguramente analisado as 499 páginas e dito em coro que é tudo péssimo. Que nada se aproveita.
Não tenho dúvidas que poderia ser sempre melhor, este ou qualquer OE, tendo em conta as diferenças ideológicas que cada pessoa tenha e as propostas que cada partido político venha a defender. É normal, é a democracia a funcionar na pluralidade de opiniões.
O que critico é que, no arauto da sua superioridade moral face a quem está neste momento no Governo, alguns políticos digam que iria ser tudo diferente e muito melhor caso fosse o “seu” PSD, IL, BE, PCP ou Livre a fazer uma proposta de Orçamento do Estado de 2023.
Reitero a ideia de que, fosse o PSD liderasse um Governo, era trocar nesta ideia onde se lia “PSD” por “PS”, a atitude seria a mesma. Sem tirar nem pôr. Sempre foi assim nos Governos mais recentes liderados por Pedro Passos Coelho, por exemplo.
Discordo. Discordo muito desta forma política e de quem está político de atuar no exercício dos seus cargos de oposição.
Aliás, dar nota pessoal que nunca votei no PS. Discordo muito da ideologia, de base, que suporta o Socialismo. Não sou melhor ou pior por isso, porém não consigo assumir convicto que tudo o que vem nas quase 500 páginas da proposta de Orçamento do Estado para 2023 do PS é horrível, péssimo e um autêntico lixo. Seria demagogo e desonesto intelectualmente. Há propostas boas neste OE’23 que Fernando Medina apresentou. Lamento desiludir algum, como eu, social-democrata. Prefiro ser honesto.
Há propostas que outros partidos poderiam igualmente apresentar agora, todos sabemos disso. Infelizmente, há medo de se concordar com o adversário porque a política atual bipolarizada e todo um espaço do “Anti”, como os partidos dos extremos políticos (direita e esquerda) fazem, é muito mais fácil de caçar aplausos em cafés e likes no Facebook.
Vieram logo nestes dias e ficam os clichés como “ninguém fica espantado em votar contra porque é um documento que não dá nada aos portugueses” ou “obvio que votamos contra porque não tem nenhuma reforma estrutural”. Pronto, tudo normal. Quem é oposição, repete a cassete (e não é só o PCP).
É importante reconhecer que, obviamente, haverá um papel ativo na discussão em especialidade de todo o Orçamento do Estado dos partidos que hoje assumem logo na primeira hora votar contra. Mau seria.
Agora vamos ao papel que vê o eleitor.
Sendo sintético, o que fica é que um português alheado do sistema partidário nacional pensará que cada um só olha para dentro do seu partido e diz o que o seu previsível eleitor quer ouvir: “É contra! É um péssimo Orçamento (porque não fui eu que apresentei)”.
Mas esse mesmo eleitor chega a casa ou desliga a televisão (ou rádio) e que soube de alternativas ao que se critica do Orçamento do Estado? Nada.
Que vê de alternativa ao nível das ditas “reformas estruturais”? Nada. Ainda ouve um “ah só se fosse Governo é que dizia as minhas propostas, não vou dar trunfos ao Primeiro-ministro António Costa.”
Isto teria piada e daria sempre uma boa peça de humor se não fosse grave ao ponto de agastar a imagem de seriedade que os portugueses têm da política.
A política tornou-se num sistema de antítese funcional: “Se o partido A apresenta uma proposta, o partido B tem de votar contra.”
Então, mas se o partido A disser o mesmo que o partido B, o partido B vota contra? Vota! Sabemos que sim. Mas vota, mesmo.
Somos mesmo só isto. E é poucochinho. Basta ver outro exemplo de, para além de sermos contra, sermos incoerentes.
Os volte-faces estilo “TAP”.
Aquele ziguezague de opinião que vimos nestes anos, em que o mesmo PS que hoje vai iniciar o processo de privatização dizia e disse anos a fio que “jamais” e, pior, atacou duramente o PSD pelo processo de privatização iniciado há 7 anos mas, agora, os mesmos (António Costa, é o mesmo interlocutor) falam com o maior desplante possível a favor do que foram acerrimamente contra.
É a política que temos. Reina a discórdia, até de nós próprios como o PS de 2022 sobre o PS de 2014.