11 de Outubro de 1968. Um filme à moda das docas de Brooklyn na madrugada de Lisboa

11 de Outubro de 1968. Um filme à moda das docas de Brooklyn na madrugada de Lisboa


O assalto a um navio suíço ancorado na Rocha do Conde de Óbidos deu lugar a um assalto audacioso que rendeu aos meliantes cerca de 200 contos em máquinas de calcular. A Polícia Marítima não perdeu tempo em descobrir que a transação se faria sob o viaduto Duarte Pacheco e atacou pela calada.


Os meliantes tinham vindo do Porto, de automóvel, mas a Polícia Marítima estava segura dos seus movimentos. A cilada foi montada ao pormenor. Uma mulher andrajosa tinha-se apresentado numa esquadra com uma carta na qual as autoridades eram ameaçadas de represálias duras no caso de manterem detidos dois estivadores – Mário Ricardo da Silva (conhecido por O Nabo) e Leonel Pires do Amaral – que tinham sido apanhados com a boca na botija a aboletarem-se com 125 máquinas de calcular de um navio suíço ancorado no Tejo e que tinham um valor aproximado de 200 contos.

O navio era o Murten e estava na Rocha do Conde de Óbidos. Em redor desta operação criava-se um ambiente sinistro. Sombras passeavam sobre o cais, o nevoeiro caíra sobre a noite de Lisboa, os agentes da autoridade recolheram pormenores fundamentais para neutralizarem o gangue. O roubo tivera lugar dois meses antes, o Murten já navegava em outras águas, a caminho de Génova, a polícia portuguesa tudo fazia para recuperar muitas das máquinas calculadoras que, desconfiava-se, teriam sido transportadas para o norte do país logo após a ordem de prisão dada ao_Nabo e a Amaral.

Foi em plena escuridão que os subchefes Martins Baptista e João Nabais, acompanhados pelo agente Alípio Parreirão, estacionaram o automóvel numa das bermas arborizadas da Avenida de Ceuta. A mulher vestida de trapos cantara como um canário quando foi apertada na esquadra e se viu ameaçada de um processo por cumplicidade no roubo. Foi aí que despejou tudo o que sabia. E que, afinal, os aparelhos não tinham seguido o caminho do norte e, pelo contrário, se mantinham em Lisboa onde seriam transacionados nessa mesma noite na Avenida de Ceuta.

Os três polícias assistiram à distância à chegada de uma furgoneta com as matrículas tapadas e ao rápido despejar do material que trazia no interior. Em seguida, surgiu o automóvel do recetador que parou a poucos metros de distância. Então, alguém que se mantivera camuflado na escuridão soltou um assobio agudo ao ver os agentes começarem a mover-se em direção aos veículos estacionados. Assobio salvador. A furgoneta partiu à desfilada pelas estradas do interior da floresta de Monsanto, o automóvel tomou o caminho inverso e ambos desapareceram na bruma. Apesar de tudo, algo não estava perdido: cerca de cem contos de material tinha sido deixado para trás. Lisboa tivera direito a uma noite com as das docas de Brooklyn.