Pela noite, o céu acende-se e apaga-se em relâmpagos, muito antes de chegarem os trovões e, depois a chuva. Está um calor abafado que me faz suar em bica e ter saudades da Índia, do meu lugar banhado pelo Índico, dos amigos de muitos anos que, a esta hora, estarão a beber as primeiras Kingfisher do dia ao mesmo tempo que vão picando uns rawa fried prawns ou uma posta de pomfret.
Não sei quando volto. É tempo de monções, os restaurantes erguidos com estacas de madeira no areal foram desmanchados para que as marés furiosas não os levem, só a partir do final de Outubro voltarão a dar sinal de vida. Ontem, quando cheguei a Alcácer, o rio tinha ondas como o mar e as gaivotas estavam encolhidas contra as margens. Eu não sabia ainda que hoje viria um céu claro e límpido e o sol iria brilhar tão intensamente que não se pode olhar para ele nem de través sem que as órbitas se transformem num caleidoscópio de tons vermelhos, amarelos e laranjas misturados.
Esperava apenas que chovesse, que chovesse muito como se o céu doesse. Não há arco-irís à noite. Se houver são a branco e preto. Não ouço o canto de pássaros azuis, quanto muito o lamento de uma coruja. “Somewhere over the rainbow/Bluebirds fly…” Terão as cores assim tanta importância que mexam com o nosso dia a dia, que mexam connosco por dentro, que mexam com o universo? Devem ter. Se não não as ligávamos às estações do ano e sabemos como o castanho e o ocre fazem do Outono a mais melancólica de todas elas.
O azul em inglês é o paradigma da tristeza. Injustamente, a meu ver, embora haja tanta tristeza no azul dos olhos da minha filha Francisca, que me esbulharam, ou nas saudades dos olhos da minha tia Filomena, tão claros, tão vertiginosos, tão profundamente cheios de carinho, azul-Olival. Olho para as minhas mãos pálidas. Até os homens a cor distingue. Deve ser por isso que Robson, um antigo jogador do Fluminense, numa entrevista a Mário Filho, às tantas se saiu com esta: “Olhe seu Mário, eu já fui preto e sei o que é isso”.