Theodor Kallifatides é um cidadão grego que emigrou jovem para a Suécia, fugindo, assim, da ditadura dos coronéis, regime de extrema direita que governava, então, o seu país.
Na Suécia fez-se escritor e romancista de sucesso, tendo adotado o sueco como língua em que realizou a sua obra.
Recentemente, foi publicado entre nós um livro seu; um livro que ele quis escrever em grego.
Chama-se «Outra Vida para Viver» e combina uma espécie de autobiografia com um ensaio sobre o que lhe foi dado ver, pensar e viver na Suécia e, mais tarde, já de regresso ao seu país, aquilo em que a Grécia se transformou devido à intervenção da «Troica».
Da transformação da social-democracia sueca, resume a dada altura: «A sociedade tinha trocado de bússola. A nova apontava apenas para o consumo e para a diversão. Isso era bem visível na aldeia. Quando lá chegámos pela primeira vez, em 1972, encontrámos uma sociedade funcional. Havia uma escola, uma biblioteca, um centro de saúde de qualidade, um médico efetivo, três bancos, meios de transporte a circular com regularidade, três mercearias, um bom hotel …» e, mais adiante, acrescenta «… a sociedade trocou a noção de responsabilidade coletiva pelo gosto da irresponsabilidade – igualmente coletiva. Reinava uma atitude geral de indiferença, de cada um por si. (…) E assim mudava também na nossa aldeia. Os três bancos passaram a um, tal como as mercearias. O autocarro escolar foi suprimido e a livraria fechou para sempre.»
A propósito destas mudanças sociais e económicas, e do desencanto que dele se foi apoderando, Theodor Kallifatides começa então a dissertar sobre a sua própria vida e o seu destino e de como eles – como a sociedade em que vivia – se foram, também, renovando.
Por essas e outras razões, Theodor Kallifatides, depois de muitas hesitações – confessa -, acaba por decidir regressar à Grécia.
Depara-se, porém, com um país diferente do que abandonara muitos anos antes.
Um país devastado pelas imposições da «Troica»: miséria, desespero, intolerância e crescimento de ideologias de extrema-direita.
Procurando refúgio em visitas a velhas amizades de escola e de família encontra, por fim, fora dos grandes centros, alguma da humanidade e simpatia que caracterizavam os gregos como outrora os conhecia.
Este livro, num tom simultaneamente intimista sobre a própria vida e de reflexão sociopolítica sobre este mundo em mutação, descreve-nos de uma forma comovente e direta, as mudanças que a sociedade europeia foi sofrendo às mãos de um neoliberalismo cego e sem piedade, que passou a dominar mesmo as mais inimaginadas forças políticas, antes preocupadas com a edificação de uma sociedade mais solidária.
Mais do que em muitos ensaios económicos e sociológicos, podemos, de uma forma próxima e envolvente, confrontar a experiência do escritor com a que cada um de nós foi vivendo nos últimos anos.
Nessa aproximação mista e de cunho também literário, damos por nós a reviver passos da nossa vida, das nossas ilusões, das nossas concessões e, por fim, do nosso desengano.
Hoje, pese embora a massiva e intensa propaganda que nos rodeia e manipula a cada instante e em todos os lugares possíveis – acho até que o exagero começa a torná-la improdutiva -, começamos a reequacionar a bondade das opções tomadas e que nos conduziram aonde estamos: uma sociedade egoísta, agressiva, sem maneiras, sem respeito de uns pelos outros; enfim, sem humanidade.
Perceber, lendo Theodor Kallifatides, como tal tipo de opções político-económicas condiciona a nossa vida e a esperança que, necessariamente, lhe deve estar associada, para que esta possa ser uma vida boa, é importante.
Na verdade, a vida de cada um é também o produto e o reflexo do meio onde se desenvolve e das mensagens aí prevalecentes.
E estas são hoje duras e impiedosas.
Se elas se resumirem ao «salve-se quem puder» reinante, não podemos então esperar muito de bom, no presente e no futuro que o espelhará.