United. O coração das trevas dos Diabos Vermelhos

United. O coração das trevas dos Diabos Vermelhos


A vitória sobre o Liverpool (2-1) provocou um suspiro de alívio coletivo na parte vermelha da cidade. Neste tempo que o Manchester United vive momentos horríveis, vamos visitá-lo da última vez que esteve na II Divisão.


A vitória do United na passada segunda-feira sobre o Liverpool (2-1) em Old Trafford provocou um suspiro de alívio colectivo em toda a cidade. Até ao momento, os adeptos dos Diabos Vermelhos só tinham motivos para arrepelarem os cabelos: dois jogos e duas derrotas, contra o Brighton, em casa (1-2), e frente ao Brentford, fora (0-4). Um golo marcado e seis sofridos. Não pressagiava nada de bom para a recepção ao vizinhos de Merseyside mas, de súbito, eis que as posições se alteram.

A equipa comandada pelo holandês Ten Hag, a fazer um tirocínio duro, com um problema chamado Cristiano Ronaldo à mistura, tem agora três pontos, subiu do último para o 14º lugar com um ponto a mais sobre os discípulos de Jürgen Klop, que ainda não ganharam nestas três primeiras jornadas da Premier League e vegetam tristemente no 16º posto.

Dirão, e muito bem, que ainda nem a procissão saiu do adro e que, mais cedo ou mais tarde, tanto uns como outros estarão no topo da tabela. Uma verdade que encaixará mais realisticamente na pele dos de Liverpool, grandes rivais dos últimos anos do City na luta pelo título, e não tanto na do United que se vem arrastando sem brilho e sem nobreza e que nem a qualificação para a Liga dos Campeões conseguiu concretizar.

Quando, depois da goleada sofrida ante o Brentford, as campainhas de alarme de Old Trafford começaram a soar, não houve quem não recordasse a época de 1973/74 que, ao fim de 35 anos atirou com o United para a II Divisão. Se estes tempos mais recentes têm sido maus, imaginem esses. Ou não precisam sequer de imaginar. Eu conto aqui mesmo, no que resta desta página.

“Disaster!” Nesse ano de 1973, quando o Campeonato Inglês teve início, ninguém poderia adivinhar o desastre que aí vinha. Um treinador novo tinha chegado a Old Trafford, Tommy Docherty, tratado carinhosamente por Tommy Doc ou simplesmente por The Doc. Acabara de deixar o cargo de seleccionador escocês e chegou a treinar o FC Porto sem grande sucesso na época de 1970-71.

Outra figura que ainda alegrava multidões era George Best. Mas pouco. A direcção do clube convencera-o a voltar a jogar depois do seu abandono dos campos na época anterior, com apenas 27 anos. Álcool, mulheres e farras em exagero tinham-lhe sugado a energia. Best anuiu mas acabaria por voltar a encerrar a carreira no mês de Dezembro.

Não pensem que esse United era uma equipa de trazer por casa. Apenas seis anos antes tinha conquistado a sua primeira Taça dos Campeões Europeus, em Wembley, frente ao Benfica, e contava com jogadores da categoria de Stepney, o guarda-redes apontado para marcador de penaltis, Brian Greenhoff, George Graham, Brian Kidd, Lou Macari e Sammy McIlroy.

Ao contrário do que sucedeu esta época, à terceira jornada tinha duas vitórias (Stoke City e Queens Park Rangers) contra uma derrota (Arsenal). Foi então que as coisas começaram a correr indecentemente mal: de Setembro a Março apenas quatro triunfos em 21 jogos. O espectro da descida flutuava sobre Manchester, uma espécie de Coração das Trevas, de Joseph Conrad, que fazia apertar o peito dos sempre dedicados adeptos. Nessa época, a Liga introduzira um novo esquema de promoções e descidas. Os três últimos estavam, por isso, condenados a serem relegados para os cafundós da II Divisão.

As derradeiras três jornadas iriam ser decisivas: Everton (fora), City (casa) e Stoke (fora). Entre o último classificado, o Norwich, e o primeiro a salvar-se, o Birmingham, a pontuação era escassa. Com três vitórias, os Diabos Vermelhos garantiriam a manutenção. Mas, no dia 23 de Abril, em Goodison Park, o Everton venceu por 1-0. Quatro dias mais tarde, 57 mil pessoas juntaram-se em Old Trafford para assistir ao derbi da cidade: nova derrota por 0-1, com a curiosidade de o golo do City ter sido apontado pelo velho herói do United, Denis Law (que foi Bola de Ouro).

Law não só se recusou a comemorar o golo como pediu para ser substituído. De nada valia, já. Derrota na última jornada, outra vez por 0-1, e o Manchester United seria obrigado a disputar a II Divisão na época seguinte. Subiu logo e nunca mais voltou a descer. E também não acreditamos que volte a acontecer nos próximos tempos.