SNS. Maioria dos hospitais não vai poder pagar mais por horas extra

SNS. Maioria dos hospitais não vai poder pagar mais por horas extra


Presidente do Hospital de São João classificou novo diploma do Governo, com norma travão na despesa, de “inaplicável”. O i analisou os dados do primeiro semestre: horas extra na saúde estão 42% acima de 2019. 


A maioria dos hospitais não poderá pagar mais aos médicos por horas extraordinárias, com o regime excecional criado pelo Governo a poder aumentar o descontentamento nas equipas. É a preocupação nas administrações dos hospitais, verbalizada pelo presidente do Hospital de São João, que num artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias classificou o diploma de “inaplicável”.

Em causa a norma-travão incluída no Decreto-Lei n.º 50-A/2022, publicado esta semana em Diário da República depois da promulgação de Belém – que já referia a existência de um “plafond”, o que só ficou claro com a publicação do diploma.

“No período de vigência do presente decreto-lei, os custos associados ao trabalho suplementar e à aquisição de serviços médicos não podem exceder, em cada serviço ou estabelecimento de saúde, os montantes pagos a título de trabalho suplementar e de prestação de serviços médicos no último semestre de 2019, corrigidos dos encargos decorrentes das atualizações salariais anuais”, refere o diploma, que veio escalonar o pagamento das horas extra médicas nas urgências em função do volume de trabalho suplementar: a partir da 50ª hora, recebem 50 euros. A partir da 101ª, 60 euros e a partir da 151ª hora (o máximo que estão obrigados a fazer por lei), 70 euros.

“Ou seja, mantendo o total da despesa com o plafond de há 3 anos, se o número de horas prestadas no segundo semestre de 2022 for, pelo menos, semelhante ao de 2019 (porventura até será superior, com a necessidade de aumentar a produção para dar resposta às listas de espera), facilmente se percebe que não será possível aumentar o valor-hora”, escreveu Fernando Araújo, antigo secretário de Estado.

“De notar que os valores pagos a médicos em prestação de serviço estão alinhados, em muitas instituições, com o valor da hora suplementar pago a médicos especialistas e que corresponde a cerca de metade do que este diploma define. Nesse sentido, para a maioria das instituições, este decreto-lei, se aplicado, iria aumentar de forma justa, mas significativa, os custos desta dimensão, o que o próprio diploma em si proíbe”,  continuou, expondo a incompreensão.

“Infelizmente, o diploma da valorização das horas extras dos médicos em serviço de urgência, vou dizê-lo de forma lenta para se perceber, é i-na-pli-cá-vel.”

Há hospitais com o dobro das horas extra O i analisou o recurso a horas extra na Saúde desde o início do ano a partir dos dados publicados no Portal da Transparência do SNS e, mantendo-se a atual tendência, será difícil aos hospitais terem folga para aumentar a despesa, a menos que passem a precisar de muito menos horas extra daqui para a frente (se reduzirem por exemplo a prestação de serviço, precisarão de mais). O que num período de outono/inverno e ano de intenção de recuperação de atividade é descrito ao i como uma equação impossível.

Apesar de estarem a ser feitas menos horas extra do que em 2021, quando bateram o recorde, no primeiro semestre deste ano o recurso a trabalho extraordinário manteve-se muito acima de 2019, definido com o ano guia para a despesa.

Nos primeiros seis meses do ano, mostram os dados publicados já a incluir junho, já foram feitas quase 10 milhões de horas extra no SNS, quando no primeiro semestre de 2019 tinham sido quase 7 milhões no mesmo período, verificando-se assim um recurso a horas extra 42% superior à pandemia. O envelhecimento dos profissionais que leva a mais casos em que estão dispensados da urgência, onde se faz a maioria do trabalho extraordinário; a feminização da profissão com mais baixas por exemplo de maternidade, bem como haver quadros mais ou menos desfalcados são razões apontadas ao i por fontes hospitalares para as diferenças entre hospitais.

O balanço de horas extras inclui todas as instituições sob alçada do Ministério da Saúde, mas olhando apenas para os hospitais, que o i analisou um a um, há casos em que o recurso a horas extra praticamente duplicou face ao primeiro semestre de 2019: é o caso da Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (+99% horas extra nos primeiros seis meses de 2022 face ao primeiro semestre de 2019) ou Centro Hospitalar do Oeste (+84). Há nove hospitais onde há um aumento superior a 50% no recurso a horas extras face ao primeiro semestre de 2019.

E só dois dois hospitais terminaram junho com uma ligeira diminuição no recurso a trabalho extraordinário: o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Hospital Magalhães Lemos. Fonte do São João explica ao i que a tendência não chega para a acomodar aumentos sem aumentar despesa. No primeiro semestre de 2022, o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, um dos maiores do país, registou o maior recurso a trabalho extraordinário: 792 mil horas, um aumento de 54% face a 2019. Segue-se o Centro Hospitalar Lisboa Norte, com 643 mil horas extraordinárias, um aumento de 13% face a 2019.

“A população pensa que haverá aumentos, os profissionais ficam dececionados e desmotivados e acima de tudo não se resolve o problema dos utentes”, resume ao i fonte hospitalar. Em alguns casos, apurou o i, já há médicos a comunicar por escrito que não estão disponíveis para fazer mais de 150 horas.

O i tentou perceber junto do Ministério da Saúde se atendendo às questões suscitadas sobre a aplicabilidade do diploma haverá alguma alteração, tendo o gabinete de Marta Temido remetido para as declarações de ontem do Secretário de Estado António Lacerda Sales, que garantiu que ninguém ficará sem resposta no SNS em agosto e que o Governo está a trabalhar com determinação na resposta aos novos desafios “com determinação, mas também com investimento e com reformas estruturais” .