Fernando Riera. Nunca ninguém poupou o cavalheiro de Santiago…

Fernando Riera. Nunca ninguém poupou o cavalheiro de Santiago…


Há precisamente 60 anos, Fernando Riera chegava ao Benfica para substituir Béla Gutmann. Não lhe deram sequer o benefício da dúvida.


20 de julho de 1962: Fernando Riera estava de regresso a Lisboa, agora para cumprir a impossível missão de substituir, à frente do Benfica campeão da Europa, o mago Béla Gutmann. Diga-se desde já que Riera foi um dos mais notáveis cavalheiros que passaram pelo futebol português. E, ainda por cima, fora precisamente em Lisboa que dera início à sua carreira de técnico, no Belenenses, em 1954, depois de ter tirado o curso em França.

O tempo passara, entretanto. Fernando José Riera Bauzá, nascido em Santiago do Chile no dia 27 de Junho de 1920 acabara de conduzir a seleção do seu país à melhor presença de sempre em fases finais de campeonatos do mundo.

Com a vantagem de jogar em casa (o Mundial de 1962 desenrolou-se no Chile) o Chile só seria eliminado nas meias-finais frente ao futuro campeão, o Brasil de um imparável Garrincha, tendo depois o prémio de consolação do terceiro lugar ao vencer a Jugoslávia por 1-0.

Como veem, não era à toa que os dirigentes encarnados assumiam a substituição do irascível Gutmann que, à medida que ganhava troféus, tornava as suas exigências contratuais mais difíceis de cumprir. Partira, portanto, para o Uruguai e para o Peñarol, segundo se dizia como o treinador mais bem pago do Planeta.

No aeroporto, à saída do avião, Riera tinha à sua espera o estado maior da Luz, com o presidente Fezas Vital à cabeça, acompanhado por Manuel da Luz Afonso, Osvaldo Branco, Gastão e Silva, Mário de Almeida e Coelho Vergílio. De certa forma, e depois de cinco anos na selecção do Chile, era como um regresso a casa. Afinal, Fernando Riera tinha dois filhos nascidos em Lisboa, no seu tempo do Restelo, e fora por um triz que o Benfica o desviara de voltar para o Belenenses que lhe tinha feito uma boa proposta de contrato. Compreende-se. Em 1962, o Benfica era o indiscutível campeão continental que cometera a proeza de desfazer o Real Madrid em Amesterdão por 5-3. Não, não se dizia não ao Benfica.

Havia um grande expectativa no estilo de futebol que Fernando Riera iria implantar nos encarnados. Era um homem de espírito ofensivo, que nunca dispensava os dois avançados-centro, algo que os italianos começam a pensar não dar jeito nenhum na hora de porem em campo o catenaccio. Vinha pleno de moral e com a sua imagem em alta.

A imprensa portuguesa invadiu a Portela de Sacavém na esperança de algum discurso tonitruante, mas Riera nunca foi homem de espalhafatos: “Saí de Lisboa há cinco anos e, embora tenha estado a trabalhar no meu país, sentia umas saudades enormes de Portugal e desta cidade que me acolheu maravilhosamente, a mim e à minha família. Estou imensamente satisfeito pela honra de treinar o Benfica, mas ao mesmo tempo consciente das grandíssimas responsabilidades que, neste momento, caíram sobre os meus ombros. Não me peçam para falar muito mais porque ainda não é altura disso. Há muito para conversar com os dirigentes do clube, mas é claro que venho com a esperança de poder levar o Benfica a vencer a Taça dos Campeões Europeus”. Não levou. Nunca mais ninguém o fez.

Falhanço! Fernando Riera esteve no Benfica apenas uma época (regressaria em 1966-67 e treinaria o FC Porto – 1972-73 – e o Sporting – 1974-75). Com a formidável equipa que o Benfica possuía, ganhou o campeonato nacional com uma perna às costas, só com uma derrota e terminando com 6 pontos de avanço sobre o FC Porto e 10 sobre o Sporting. Mas era um Benfica para o qual as fronteiras não terminavam no Caia.

Riera levou os encarnados à sua terceira final da Taça dos Campeões consecutiva mas, em Wembley, perdeu para o Milan por 1-2. As críticas não o pouparam. Que desprezara o adversário, que o Benfica era tão superior que tinha a obrigação de ter vencido. Mas talvez aquilo que nem os adeptos nem a imprensa lhe tenham alguma vez perdoado foi a goleada, na Luz, frente ao Santos (2-5), para a Taça Intercontinental, num jogo em que Pelé fez gato-sapato da defesa encarnada.

O romântico Fernando Riera, o homem que amava o futebol bonito, era acusado de não ter preparado para Pelé uma marcação especial (correu o mito que teria afirmado convictamente que “marcar Pelé é um crime contra o futebol”), e começou a ser visto como ultrapassado nas suas ideias. Não tardaria a que todo o futebol romântico fosse espezinhado pela nova ideia italiana que a melhor maneira de ganhar é defendendo.