Por Bruno Soares Gonçalves, Presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear e Investigador do Instituto Superior Técnico
No dia 5 de Julho de 2022, o consórcio europeu de investigação em energia de fusão nuclear, EUROfusion, anunciou o início das atividades de desenho conceptual para a primeira central europeia de demonstração de energia de fusão nuclear, DEMO. Este dispositivo único de fusão nuclear, primeiro do seu tipo, entrará em funcionamento em meados deste século e demonstrará a produção de 300 a 500 MW de eletricidade proveniente de fusão nuclear, uma energia limpa e segura, e a sua ligação à rede.
O reator de DEMOnstração, geralmente designado por DEMO, refere-se ao conjunto de reatores de fusão destinados a demonstrar a produção de eletricidade com base em fusão nuclear. Na fusão nuclear, dois núcleos (de carga elétrica positiva) de elementos leves, que ultrapassam a sua repulsão, convertem-se num núcleo mais pesado e liberta-se energia, por conversão de uma parte da massa dos núcleos originais em energia. É o oposto do processo de fissão nuclear, que ocorre nas centrais nucleares, em que um núcleo pesado, como o urânio, é convertido em dois elementos mais leves, libertando energia. A fusão é o processo que alimenta estrelas como o nosso Sol e promete uma fonte de energia limpa inerentemente segura e quase ilimitada a longo prazo aqui na Terra. A energia de fusão gerará imensas quantidades de energia a partir de poucas gramas de combustíveis abundantes encontrados em todo o mundo contribuindo para a segurança energética.
Na abordagem mais conservadora seguida pela comunidade fusão, o DEMO sucederá ao International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), atualmente em construção em Cadarache, França, do qual necessitará de resultados experimentais para consolidar o seu desenho. Com a transição do ITER para o DEMO, a fusão nuclear passará duma fase orientada para a ciência para uma fase orientada para a indústria e tecnologia necessária para a exploração comercial dos reatores de fusão nuclear.
O DEMO terá como objetivo principal a produção e eletricidade ainda que possa estar aquém, em potência e custo, do expectável para as futuras centrais comerciais. Este reator deve também ser capaz de demonstrar as tecnologias necessárias para controlar um plasma muito mais potente que os existentes nos dispositivos atuais (ou dos que existirão no ITER), permitindo a geração de eletricidade de forma consistente e segura, garantindo também a fiabilidade do dispositivo e a manutenção regular e rápida de toda a infraestrutura. Um outro aspeto importante deste reator de demonstração é a capacidade para funcionar num ciclo-fechado de combustível, ou seja, com reprocessamento do Trítio à medida que este é consumido no interior da máquina.
O projeto do DEMO da União Europeia, cujo desenho conceptual tem vindo a ser desenvolvido pela EUROfusion, é o mais consolidado. O desenho deste tipo de infraestrutura requer que se tenha em consideração, não só os requisitos da física, mas também as limitações tecnológicas e de engenharia. Para acelerar a transição para um reator comercial é também reconhecido que o desenvolvimento e validação de materiais sob irradiação é, não só da maior importância para o sucesso económico, mas está no caminho crítico para o uso da energia de fusão. Para ajudar a tornar o DEMO uma realidade, está em construção em Granada (Espanha) uma poderosa instalação de irradiação de neutrões para estudos e qualificação de materiais (IFMIF-Dones), integrada no roteiro europeu para eletricidade gerada por fusão.
A par com o DEMO da EUROfusion, existem outros de reatores de demonstração a serem desenvolvidos, como é o caso do Spherical Tokamak for Energy Production (STEP) no Reino Unido e de várias start-ups focadas em explorar novas configurações, com lasers ou com campos magnéticos. O que podemos esperar deste redobrado interesse e investimento em novas ideias são novos avanços e uma explosão significativa de inovações que ajudarão a tornar a fusão nuclear uma realidade e a criação de novas empresas tecnológicas.
A possibilidade de que a energia que chega às nossas casas possa vir de uma pequena estrela construída na Terra, aprisionada por poderosos campos magnéticos, é algo com que se sonha desde a segunda metade do séc. XX, mas a esperança é que ainda chegue a tempo de contribuir para o combate às alterações climáticas, no horizonte em que se planeia a transição energética, algures até 2050. A construção do DEMO é um passo essencial para termos uma forma de produção de energia elétrica que não produz gases causadores do efeito de estufa e que sejam capazes de providenciar a eletricidade de base necessária para fazer face às intermitências das energias renováveis (eólica, solar). Entretanto, até que a fusão nuclear se torne uma realidade, o caminho para a descarbonização passa por manter a aposta nas energias renováveis, mas também pela fissão nuclear, que apesar de tantas vezes demonizada, é atualmente umas das soluções viáveis, contribuindo com segurança para a descarbonização e permitindo comprarmos algum tempo.
A fusão nuclear dará ao mundo uma fonte infinita de energia nuclear limpa e amiga do ambiente. Progressos científicos significativos abrem a perspetiva de um futuro próspero e com energia barata, ilimitada e segura. A comunidade científica que trabalha em fusão nuclear tem feito todos os esforços para alcançar a meta o mais brevemente possível e chegou finalmente o momento em que a fusão começa a ser encarada como uma necessidade e uma potencial solução, ainda que não imediata. Nunca estivemos tão perto!