Tristeza não tem fim

Tristeza não tem fim


A edição é esplêndida: o traço contido e a opção maioritária pelas duas cores, contrastando com o belo colorido, sempre suave, de capa e contracapa


A leitura do primeiro livro a solo de Bernardo Majer (Lisboa, 1990) remeteu-nos para o melancólico Quase, de Mário de Sá-Carneiro (“Um pouco mais de sol – eu era brasa,”, etc.): narrativas breves em que jovens adultos, da geração do autor, na maioria dos casos, estão à deriva. O que não admira, num quotidiano que pensa neles como carne para canhão do trabalho e do consumo, num sistema social com estampanço marcado contra uma parede, mais cedo que tarde. Sete narrativas breves, a primeira das quais sem título, que iremos ler como uma possível chave para um desenlace apaziguador, que bem precisados estamos todos.

Em “julho”, conhecemos Alberto, de 26 anos, que tem a paixão do mar, um trabalho que não o satisfaz e uma mulher razoável, cada vez menos paciente para as indecisões semi-depressivas. Na cabeça soam-lhe os Smiths: “Heaven knows I’m miserable now.” Segue-se “agosto”, que traz Carolina, desenganada pelo último namorado, tornando-se “Lola” num site em que vende fotos e conversa com solitários. Escreverá Deus aqui, direito por linhas tortas, espera-se. Na terceira história, “setembro”, dá-se uma variação na idade: um pré-adolescente que se confronta com o anúncio do divórcio dos pais, tendo no irmão mais velho a referência de estabilidade que deveria pertencer aos progenitores. Em “outubro”, Sofia não acerta com as relações, muito menos agora, com um fraco pelo namorado da amiga, um pintor sentencioso. Mês do cair da folha, costuma dizer-se de novembro, aqui também o fim de vida de um casal em défice de comunicação. Estes dias terminam num 31 de dezembro, no qual Flor e Rui formam um casal que assiste à vida cheia de otimismo dos outros, julgando a sua por padrões que não lhe cabem. Numa varanda, aguardam o fogo de artifício, talvez esperando também por “vida nova”.

E voltamos à narrativa inicial, sem título ou palavras, exceto uns versos duma canção de Nico, modelo e cantora, também com os Velvet Undergrouind: “These days I seem to think a lot / About the things that I had forgot to do / And all the times / I had the chance to”. E conforme o casal “dezembrista” olha o céu, enquanto o fogo de artifício não chega, uma jovem mulher, na prancha inicial, contempla o horizonte marítimo. O que pensa, ninguém sabe, mas como escreveu Alexandre O’Neill, “É no mar que a aventura / Tem as margens que merece”. Assim as personagens de Majer.

A edição é esplêndida: o traço contido e a opção maioritária pelas duas cores, contrastando com o belo colorido, sempre suave, de capa e contracapa, fazem também do livro um objeto que se quer guardar.

Um semestre decorreu; e aos dias somaram-se os meses, a ver a a vida passar. Irrevogavelmente.

Estes Dias
Texto e Desenho Bernardo Majer
Editora Edições Polvo, Lisboa, 2022

 

BDTECA

ABECEDÁRIO

C, de Condorito (Pepo, 1949). A mais famosa personagem chilena de historietas, criada por Pepo (René Rios Boettiger, 1911-200). Depois de ficar desapontado com o representante chileno no filme de Walt Disney Alô Amigos (1942) – o aviãozinho Pedro, que sobrevoa heroicamente os Andes durante uma tempestade –, resolve criar uma personagem nacional. Se os Estados Unidos tinham um pato (Donald), o Brasil, um papagaio (Zé Carioca) e o México um galo (Panchito), no filme seguinte, era tempo de o Chile não ficar para trás, obviamente com um condor: Condorito, um tipo vivaço e bonacheirão, muito popular na América de língua espanhola.

LIVROS

 

La Légende Oubliée de Percéval, por Frédéric Brrémaud e Federico Bertolucci. Do inesgotável ciclo arturiano, Brrémaud e Bertolucci (de quem falámos a propósito de As Férias do Pato Donald) iniciam uma série consagrada a Parsifal, um dos míticos cavaleiros da Távola Redonda. A BD pata todos os públicos no seu melhor. (Edição Glénat, Grenoble, 2022).