Se os problemas de disponibilização de cuidados de saúde aos cidadãos são estruturais não vale a pena encontra desculpas com a pandemia ou a crise política gerada pelo chumbo do orçamento em 2021. São uma responsabilidade política de quem tem tido o poder e de quem, estando na oposição, tem anuído a opções políticas e orçamentais que não salvaguardam a capacidade de resposta em tempo útil do Serviço Nacional de Saúde. E de nada vale espasmos ideológicos de amor ilimitado ao SNS se depois ele está neste estado, com problemas estruturais que não foram resolvidos ou mitigados. O drama é que nada aqui é novo. Nem as modelações de acessibilidade a cuidados de saúde, nem a procura de costas largas para justificar o que não foi feito, em anos
Quando não há resultados, o exercício político tende a arranjar umas costas largas para arcar com as consequências ou invoca as circunstâncias. A crise das dívidas soberanas, a troika, a pandemia ou a falta de orçamento são apenas os sucedâneos do recurso a costas largas que já vem do tempo da ditadura. O Poder acha que se sustenta com desculpas e inimigos dos projetos em curso, como Salazar fazia com os comunistas. Só que o tempo é outro e o mundo mudou, sobretudo com o advento das redes sociais, da intensidade noticiosa e da evidenciação das realidades.
Isto não vai lá com desculpas, sobretudo quando se está há anos no gozo de um exercício político de turno, com pouco ou nenhuma visão estratégica e rasgo, acorrendo ao quotidiano ou aos caprichos de nichos eleitorais sem representatividade, mas com expressão que baste para ajudar a manter o poder.
De que nos valem os temas fraturantes, as agendas sexy ou as sintonias com novas tendências de consagração de direitos para nichos e animais, se depois não há resposta no básico? E não venham com a conversa de que o problema está na execução orçamental porque as opções políticas e orçamentais já estavam enviesadas pela cegueira ideológica e pela complacência com setores relevantes das clientelas políticas ou da expressão eleitoral.
É claro que há circunstâncias que pesam, como foi o caso da pandemia, e que há sempre interesses em presença que não perdem nenhuma oportunidade par se fazer valer da sua posição em benefício particular, mesmo quando invocam o bem comum para fustigar os cidadãos, mas nada é novo e muito menos imprevisível.
O drama é que se entrou num registo em que as realidades só têm existência quando são mediatizadas ou virais nas redes sociais, assumindo um perfil de padrão. É o que está a acontecer na saúde e a pandemia, apesar do fantástico esforço dos profissionais de saúde, já tinha sublinhado as fragilidades, apesar das loas ao SNS, sem tradução efetiva na sustentabilidade, acessibilidade e proximidade das respostas de cuidados de saúde.
A realidade das respostas que não existem em tempo útil é um traço que se generalizou no SNS. Como é possível uma utente com uma obstrução crónica e progressiva ir a uma consulta num hospital, dizerem-lhe que há um medicamento para conter a evolução prejudicial para a qualidade de vida a ser aprovado e dispensado pela farmácia hospitalar no espaço de um mês e ao fim de quase dois meses ainda não teve acesso ao fármaco? Quem se responsabiliza pela sua degradação da saúde e pela perda de qualidade de vida irreversível, enquanto alguém não põe um carimbo ou autoriza a despesa?
Se queremos continuar a reproduzir discursos de compromisso com o SNS, elevando-o a uma das maiores conquistas da Democracia, não podemos continuar a diabolizar o que funciona quando tem toque dos privados nem persistir em dispensar capacidades de respostas existentes, enquanto não as geram de facto nos serviços públicos.
Não perceber que teremos no horizonte uma onda gigante ao nível das da Nazaré com o envelhecimento da população e com determinados estilos de vida vai em linha com a indiferença com se tratou as circunstâncias propícias à atual crise como expressão de problemas estruturais, alguns de impossível mitigação rápida, como os da formação de novos médicos para substituir os que se aposentam.
Podem invocar costas largas, desconsiderar opiniões e até diabolizar o outro que diverge da narrativa instalada, mas não mudar de atitude, não olhar além do presente e das trocas de circunstância para manter o poder ou os interesses é o que verdadeiramente está na base da inação, da insustentabilidade do que existe e da falta de resposta aos portugueses, na saúde como em tantas outras áreas em que parece que há pessoas e territórios que não contam.
O desenrasca, a imprevisibilidade e o amanho de soluções, contando com o ajustamento dos portugueses, em jeito de “a gente lá se arranja”, não pode ser o futuro a que nos destinam. E é com esta complacência com os problemas estruturais e com a realidade que queremos estancar a sangria dos jovens qualificados para exterior e encantar os licenciados idos à procura de outras vidas para um regresso?
A gente cá se vai arranjando, o país não. É esse o drama maior da política e dos políticos que insistem nas costas largas. E era só o que faltava essa gente ficar incomodada com a crítica perante a evidência das insuficiências e dos resultados das suas opções, ações e omissões. Em matéria de SNS, mais respostas sustentáveis, menos costas largas!
NOTAS FINAIS
O RIDÍCULO QUE MÓI. “As sanções são tomadas muito a sério por Portugal”, afirmou o Ministro dos Negócios Estrangeiros a propósito do congelamento de uma alegada moradia do oligarca russo Roman Abramovich na Quinta do Lago, no Algarve. Tão a sério que a moradia tem outros proprietários sem ligações ao russo. Falar de coisas sérias com fiabilidade. Checked!
MÓI E MATA. Enquanto nos entretemos com a semana dos 4 dias e lá foram continuamos a ser dos melhores a trabalhar, em várias longitudes e latitudes, Portugal caiu 6 posições no ranking da competividade do suíço IMD Posição 42.
MATA. A morte banalizou-se nos media e nas nossas vidas. Não há inquietação consequente pelo facto de as mortes diárias estarem 26% acima dos padrões (sem costas largas para a Covid) ou de, até 31 de maio, já terem morrido 52 pessoas por afogamento, o valor mais alto dos últimos 5 anos.
Escreve à segunda-feira