A malta tinha combinado reunir-se em frente ao Café Réveil Matin, em Montgeron, um subúrbio a sul de Paris. A coisa era mesmo assim, um lugar de encontro e aí se trataria da papelada. Ou seja, os organizadores da 1.ª edição da Volta a França em Bicicleta montaram uma barraquinha com duas mesas e chamaram-lhe pomposamente ‘Ponto de Controlo’. O Réveil Matin também servia de albergue, o que quer dizer que os que lá pernoitaram não tiveram de se levantar tão cedo e tiveram direito ao pequeno-almoço mal saltaram da cama. Candidatos a pedalar os 2428 km do percurso que se dividia em seis etapas e tinha o seu final marcado para o dia 19. Paris receberia o cortejo final, mas não havia direito a passagem gloriosa pelos Campos Elísios. Um fulano chamado Louis Jean-Baptiste Lépine, filho de um contabilista, que tivera uma educação esmerada com passagem pela Universidade de Heidelberg, e ocupava o cargo oficial de Préfet de Police de la Seine (uma espécie de Pina Manique dos franceses, grande responsável pela modernização da administração policial no país), não tinha muita pachorra para ver uns rapazolas a pedalar pelas ruas da sua cidade. Autorizou apenas que a meta fosse colocada no velódromo do Estádio de Colombes e foi um pau.
Só mesmo o extremo otimismo dos organizadores não previu que a reunião matinal se iria tornar, como gostam de dizer lá no pedaço, un bordel. Primeiro que se assentassem todas as inscrições e se montasse um perímetro de partida de 600 metros de comprimento, para que não sucedessem quedas logo ali, as horas foram passando, deu tempo para almoçar e só pelas 15h15 minutos é que os corredores saltaram para os selins e se fizeram à estrada na direcção de Lyon, a 467 km de distância, onde a etapa terminaria. E foi assim que começou aquela que é hoje, e de há muito a esta parte, a prova ciclística mais famosa da história do desporto.
A força de Garin
Erguida por via do esforço dos jornalistas do L’Auto, o jornal desportivo das páginas amarelas (motivo que levou a que surgisse camisola amarela para distinguir o homem que seguia no comando da classificação, algo que só foi posto em prática a partir da 11.ª etapa do Tour de 1919), a Volta a França ganhou de imediato popularidade geral. O povo juntou-se na berma das estradas para ver ao vivo como Gustave Pasquier se lançou no primeiro grande ataque pouco após a ordem de partida. A sua decisão acabou definitivamente com meia-dúzia dos mais mal preparados que acabaram por desistir (só 21 ciclistas concluiriam a prova).
Édouard Wattelier, com um furo, ficou para a posteridade com a muita duvidosa honra de ter sido o primeiro dos primeiros a abandonar, logo aos quilómetro 102, ainda por cima logo ele que já era tido como um profissional. A sua bravura foi inquestionável ao conseguir fazer 18 km com um pneu furado.
Ao fim de seis horas, o pelotão decidiu que era altura de fazer uma pausa para jantar num tasco em Cosne-Cours-sur-Loire, na região da Borgonha. Pior para eles. Houve três espertalhões que decidiram que não era assim que se ganhavam Tours. Maurice Garin, Émile Pagie e Léon Georget aproveitam para tomar o comando, embora este último tenha furado logo a seguir, deixando a decisão da etapa entregue aos outros dois. A cavalgada de ambos seria impressionante e provocaria frisson. Surge o momento da montanha e pedalam lado a lado, num esforço terrível, durante dez quilómetros até aos 758 metros de altitude no col du Pin-Bouchain, em Machéza.
Ninguém é capaz de apostar claramente no vencedor, tão iguais são ambos na atitude e na bravura. Apenas a 200 metros da meta, a desgraça atinge Pagie em forma de uma queda dolorosa. Garin é o vencedor da primeira etapa. Ainda não sabe, mas será também o vencedor do primeiro Tour. Maurice. Maurice Garin. Tem uma bela história de vida para contar…