Dez de maio. Este dia ficará na memória coletiva de Cascais como o dia da solidariedade e da amizade. O dia em que aprovámos a geminação do nosso concelho com as cidades mártires de Bucha e Irpin, na região de Kyiv, Ucrânia.
À escala municipal, esta é uma iniciativa política histórica em si mesma. Há, porém, nuances que lhe acrescentam uma dimensão muito particular.
Desde logo o simples facto de ser um acordo de geminação em tempo de guerra. É uma afirmação inequívoca do apoio que Cascais deu, e continuará a dar, aos povos destas duas cidades irmãs. Logo no início do conflito, e graças a uma rede de contactos privilegiados estabelecida no coração da sociedade civil ucraniana, conseguimos canalizar a generosa ajuda humanitária de Cascais e do país aos locais mais afetados pela guerra.
Outra das dimensões inéditas desta parceria tem a ver com o facto da proposta de geminação ter sido apresentada à Reunião de Câmara por todos os vereadores eleitos – do poder e da oposição. Uma iniciativa sem precedentes, bem reveladora do amplo consenso democrático em Portugal no apoio a uma nação soberana, vítima de uma agressão hedionda.
Perante uma plateia com vários cidadãos ucranianos, que acompanharam os trabalhos da Câmara e a votação do ponto com emoção, a proposta foi aprovada por unanimidade.
Como tenho dito, a Ucrânia está a combater por nós e pelos nossos valores. Isso significa que nesta ponta mais ocidental da Europa temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que na outra ponta do nosso Velho Continente, os ucranianos resistam à tirania, à violência e à opressão.
A parceria com as duas cidades ucranianas é apenas o princípio de uma relação que envolverá grandes desafios. Irpin está destruída a 75%. Bucha a 26%.
A Câmara Municipal de Cascais, os seus técnicos, mas também as forças vivas da sociedade, estão mobilizados para prestar apoio à reconstrução de ambas as cidades. Dos peritos em urbanismo aos entusiastas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, dos técnicos das smart cities aos arquitetos e engenheiros, não perderemos a oportunidade de formar uma coligação de vontades e de energias que ajude as cidades da Ucrânia a ter um futuro de luz e prosperidade.
Confesso que até o conflito estoirar na Europa, não conhecia o povo ucraniano e os seus costumes. Mas com os quase 3000 que estão entre nós, em Cascais, aprendi rapidamente que é um povo trabalhador, um povo resiliente, que tem como maior desejo reerguer a Ucrânia e começar de novo. A nós, portugueses e europeus, cabe-nos a tarefa de dar um empurrão neste recomeço. É para isso, afinal, que servem os amigos. Essa é uma responsabilidade das cidades.
Há muitas alianças de cidades pelo mundo. Cidades pela sustentabilidade. Pela tecnologia. Pelas alterações climáticas. Pactos de autarcas. A história dá às cidades uma oportunidade de provar que o século XXI é, sem dúvidas, o século da confirmação do município como unidade política fundamental do mundo globalizado.
As instituições supranacionais podem ajudar com caminhos para a paz. Os estados podem ajudar com dinheiro e com diplomacia. Mas só as cidades podem ajudar a reconstruir a Ucrânia com conhecimento, com talento, com personalismo. Com o poder da proximidade que fala a mesma língua em qualquer parte do mundo.
A Ucrânia, estado uno e soberano, contava 460 cidades no pré-guerra. Ainda que o futuro de muitos destes agregados urbanos seja ainda uma pergunta sem resposta, o que sabemos já hoje é que nós, autarcas, cidadãos do mundo livre e democrático, temos responsabilidade perante os nossos colegas ucranianos.
Tivemos a oportunidade de deixar essa mensagem aos nossos colegas autarcas europeus num encontro da ACT NOW, uma rede de presidentes de Câmara que reuniu nos últimos dias em Estugarda. Por proposta de Cascais, sugerimos a assinatura de uma declaração comum entre todas as autarquias com um objetivo claro: apoiar a reconstrução das cidades ucranianas e, de forma conjunta, criar respostas de saúde, de educação e de solidariedade social.
O século XXI é o século das cidades. A grande resposta à pandemia partiu dos municípios. As mais ambiciosas medidas de combate às alterações climáticas partem das cidades. Perante os grandes desafios, são as cidades que oferecem as maiores respostas.
A realidade provará que o municipalismo está à altura das circunstâncias.