Homenagem a Maria de Jesus Serra Lopes


Entre muitas outras realizações, Maria de Jesus Serra Lopes assumiu no seu mandato de forma intransigente o papel da Ordem dos Advogados na defesa dos direitos humanos, tendo esta se associado à condenação internacional pelo massacre de Santa Cruz em Timor-Leste, e procurado assegurar a defesa de Xanana Gusmão…


Faleceu na passada sexta-feira, dia 8 de Abril, a Senhora Dra. Maria de Jesus Serra Lopes, que foi a primeira Bastonária da Ordem dos Advogados, e cujo percurso profissional constituiu um exemplo para todos os Advogados.

Ao contrário do que sucedeu na Magistratura, em que o acesso das mulheres às funções de Juíza esteve proibido até 1974, na Advocacia desde muito cedo que foi permitido às mulheres o exercício da profissão de Advogada. Em 14 de Dezembro de 1913, Regina Quintanilha obteria uma autorização especial do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para exercer a advocacia, tornando-se assim a primeira Advogada portuguesa. Posteriormente, o acesso à profissão de Advogada seria generalizado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 4676, de 19 de Julho de 1918, o qual estabeleceu que “a partir da promulgação deste decreto às mulheres munidas de uma carta de formatura em direito é permitido o exercício da profissão de advogado”. Apesar disso, no entanto, e devido às características da sociedade portuguesa da altura, foram poucas as mulheres que conseguiram vencer as resistências então existentes e exercer efectivamente a profissão de Advogada.

Através do Decreto 11715, de 12 de Junho de 1926, foi fundada a Ordem dos Advogados, que desde o início assumiu a representação da Advocacia em Portugal. No entanto, nas primeiras décadas da instituição, também essa representação foi exclusivamente assegurada por homens, pelo que foi necessário ainda esperar muitos anos para que as mulheres assumissem também a representação da Advocacia ao mais alto nível.

Nesse âmbito, o pioneirismo deve-se na sua totalidade a Maria de Jesus Serra Lopes, licenciada em Direito em 1957 e inscrita como Advogada a partir de 1959, a qual fez todo o cursus honorum na Ordem dos Advogados até chegar ao seu mais alto cargo, o de Bastonária. Foi assim membro do Conselho Geral entre 1981 e 1983, tendo igualmente assumido nesse mandato o cargo de Presidente da Comissão de Legislação da Ordem. Seria depois Vogal do Conselho Superior de 1984 a 1986 e Vice-Presidente desse mesmo Conselho de 1987 a 1989, exercendo assim ao mais alto nível a jurisdição disciplinar da Ordem. No final desse mandato, decidiu assumir a sua candidatura a Bastonária, tendo sido eleita pelos seus pares numa eleição renhida em que defrontou quatro adversários. Foi assim que no triénio 1990-1992, há precisamente trinta anos, exerceu de forma brilhante o cargo de Bastonária, tendo o país se habituado a ouvir a sua voz serena sobre os muitos problemas que recorrentemente surgem no sector da Justiça.

Entre muitas outras realizações, Maria de Jesus Serra Lopes assumiu no seu mandato de forma intransigente o papel da Ordem dos Advogados na defesa dos direitos humanos, tendo esta se associado à condenação internacional pelo massacre de Santa Cruz em Timor-Leste, e procurado assegurar a defesa de Xanana Gusmão, quando o mesmo foi preso pelas tropas indonésias.

Maria de Jesus Serra Lopes procurou ainda melhorar a formação dos Advogados, tendo sempre referido que “o Advogado deve ser o mais bem preparados dos técnicos de Direito”. Foi por isso alterado o Regulamento de Estágio da Ordem, por forma a consagrar a adequada formação dos estagiários. A contestação que na altura teve dos estudantes de Direito, que chegaram a organizar uma manifestação em frente à Ordem, não a fez desistir desse objectivo fundamental.

Por todas as suas realizações, Maria de Jesus Serra Lopes foi agraciada em 1996 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e em 2005 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. A Ordem dos Advogados também a homenageou em 2016, atribuindo-lhe a sua mais alta distinção, a medalha de ouro.

E na verdade toda a Advocacia está profundamente reconhecida a Maria de Jesus Serra Lopes pelo contributo que deu, pelo seu exemplo, para o acesso das mulheres à nossa profissão. Basta ver que, em 1990, quando Maria de Jesus Serra Lopes foi eleita Bastonária, os Advogados eram 11.319, dos quais 8.477 homens e apenas 2.842 mulheres, uma percentagem inferior a 25%. Trinta anos depois em 2020, o número de Advogados passou a ser de 33.115 dos quais 14.891 homens e 18.224 mulheres, uma percentagem superior a 55%. É esse o maior legado de Maria de Jesus Serra Lopes.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Homenagem a Maria de Jesus Serra Lopes


Entre muitas outras realizações, Maria de Jesus Serra Lopes assumiu no seu mandato de forma intransigente o papel da Ordem dos Advogados na defesa dos direitos humanos, tendo esta se associado à condenação internacional pelo massacre de Santa Cruz em Timor-Leste, e procurado assegurar a defesa de Xanana Gusmão...


Faleceu na passada sexta-feira, dia 8 de Abril, a Senhora Dra. Maria de Jesus Serra Lopes, que foi a primeira Bastonária da Ordem dos Advogados, e cujo percurso profissional constituiu um exemplo para todos os Advogados.

Ao contrário do que sucedeu na Magistratura, em que o acesso das mulheres às funções de Juíza esteve proibido até 1974, na Advocacia desde muito cedo que foi permitido às mulheres o exercício da profissão de Advogada. Em 14 de Dezembro de 1913, Regina Quintanilha obteria uma autorização especial do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para exercer a advocacia, tornando-se assim a primeira Advogada portuguesa. Posteriormente, o acesso à profissão de Advogada seria generalizado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 4676, de 19 de Julho de 1918, o qual estabeleceu que “a partir da promulgação deste decreto às mulheres munidas de uma carta de formatura em direito é permitido o exercício da profissão de advogado”. Apesar disso, no entanto, e devido às características da sociedade portuguesa da altura, foram poucas as mulheres que conseguiram vencer as resistências então existentes e exercer efectivamente a profissão de Advogada.

Através do Decreto 11715, de 12 de Junho de 1926, foi fundada a Ordem dos Advogados, que desde o início assumiu a representação da Advocacia em Portugal. No entanto, nas primeiras décadas da instituição, também essa representação foi exclusivamente assegurada por homens, pelo que foi necessário ainda esperar muitos anos para que as mulheres assumissem também a representação da Advocacia ao mais alto nível.

Nesse âmbito, o pioneirismo deve-se na sua totalidade a Maria de Jesus Serra Lopes, licenciada em Direito em 1957 e inscrita como Advogada a partir de 1959, a qual fez todo o cursus honorum na Ordem dos Advogados até chegar ao seu mais alto cargo, o de Bastonária. Foi assim membro do Conselho Geral entre 1981 e 1983, tendo igualmente assumido nesse mandato o cargo de Presidente da Comissão de Legislação da Ordem. Seria depois Vogal do Conselho Superior de 1984 a 1986 e Vice-Presidente desse mesmo Conselho de 1987 a 1989, exercendo assim ao mais alto nível a jurisdição disciplinar da Ordem. No final desse mandato, decidiu assumir a sua candidatura a Bastonária, tendo sido eleita pelos seus pares numa eleição renhida em que defrontou quatro adversários. Foi assim que no triénio 1990-1992, há precisamente trinta anos, exerceu de forma brilhante o cargo de Bastonária, tendo o país se habituado a ouvir a sua voz serena sobre os muitos problemas que recorrentemente surgem no sector da Justiça.

Entre muitas outras realizações, Maria de Jesus Serra Lopes assumiu no seu mandato de forma intransigente o papel da Ordem dos Advogados na defesa dos direitos humanos, tendo esta se associado à condenação internacional pelo massacre de Santa Cruz em Timor-Leste, e procurado assegurar a defesa de Xanana Gusmão, quando o mesmo foi preso pelas tropas indonésias.

Maria de Jesus Serra Lopes procurou ainda melhorar a formação dos Advogados, tendo sempre referido que “o Advogado deve ser o mais bem preparados dos técnicos de Direito”. Foi por isso alterado o Regulamento de Estágio da Ordem, por forma a consagrar a adequada formação dos estagiários. A contestação que na altura teve dos estudantes de Direito, que chegaram a organizar uma manifestação em frente à Ordem, não a fez desistir desse objectivo fundamental.

Por todas as suas realizações, Maria de Jesus Serra Lopes foi agraciada em 1996 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e em 2005 com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. A Ordem dos Advogados também a homenageou em 2016, atribuindo-lhe a sua mais alta distinção, a medalha de ouro.

E na verdade toda a Advocacia está profundamente reconhecida a Maria de Jesus Serra Lopes pelo contributo que deu, pelo seu exemplo, para o acesso das mulheres à nossa profissão. Basta ver que, em 1990, quando Maria de Jesus Serra Lopes foi eleita Bastonária, os Advogados eram 11.319, dos quais 8.477 homens e apenas 2.842 mulheres, uma percentagem inferior a 25%. Trinta anos depois em 2020, o número de Advogados passou a ser de 33.115 dos quais 14.891 homens e 18.224 mulheres, uma percentagem superior a 55%. É esse o maior legado de Maria de Jesus Serra Lopes.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990