A verdadeira fibra de um povo expressa-se na dificuldade, mas não deveria ser só assim. Essa energia imensa que emerge em momentos difíceis, de resiliência, de resposta à catástrofe e de mobilização, deveria ser uma presença constante na transformação positiva das realidades, em tempo de paz, de “normalidade” e sem percalços excecionais, como temos estado sujeitos nas últimas décadas, primeiro com a Troika, depois com a pandemia.
Em tempo de guerra, a invasão bárbara de um Golias despeitado pela história a um David feito nação nos despojos da implosão soviética, fez emergir a fibra do povo ucraniano. A desproporção de meios de combate mobilizados para a barbárie da guerra pelo Kremlin de Putin, desculpada e apoiada por um PCP perdido no hospício da ideologia ultrapassada, fez emergir uma liderança, um povo resiliente na luta pela sua terra e a solidariedade dos portugueses.
Na desgraça da guerra e da agressão militar, Putin conseguiu reforçar a identidade ucraniana, o sentimento de pertença soberana a um território, a concertação do ocidente para a ação e mobilizar os povos para acudir às necessidades básicas dos agredidos. É certo que para além de ser um exercício do imperialismo russo, a guerra na Ucrânia representa um fatídico ensaio para ambições de outros poderes em relação a outros territórios, perante a fragilidade da capacidade em ser consequente na aplicação do direito internacional estabelecido, mas nem sempre reconhecido por quem conta. Depois da Ucrânia, o que impede a China de atacar Taiwan ou outros déspotas de se fazerem valer do seu poder militar ou da influência financeira para agir e depois bloquear a intervenção das instituições internacionais? Em bom rigor, quase nada.
A grande questão que se coloca é saber como podemos, como comunidade internacional, regular a globalização dos riscos, num tempo em que somos confrontados com sucessivos desafios globais, da pandemia às alterações climáticas, para os quais não existem respostas adequadas de quem mais conta para os resultados. Depois de anos de uma globalização com traços de felicidade, entrámos numa era de confronto com o reverso dos riscos, em que a única via de garantias mínimas continua a ser a do multilateralismo, ainda que frágil nos resultados.
A guerra, distante na geografia, mas muito próxima pela sua transmissão em direto pelos media e pela presença de uma considerável comunidade de ucranianos em Portugal, despertou uma diversidade de expressões de solidariedade do povo português, uma enorme energia para acudir à tragédia.
É espantosa a nossa capacidade de mobilização para acudir à catástrofe e à emergência, é pena que não consigamos manter o mesmo nível de mobilização, de compromisso e de exigência cívica para responder a desafios estruturais que afetam o país no quotidiano. Esta energia para acudir traduzida em mobilização para transformar, para exigir dos decisores e para participar no escrutínio das opções políticas conduziria a um reforço do pulsar democrático do país.
A verdade é que aos poucos, nos fomos acomodando ao conforto da globalização feliz, sem riscos evidentes para o nível de consumo e de conforto que procurávamos em crescendo, sempre mais, pelo menor preço, com tudo à mão de acordo com as disponibilidades individuais. Era ter recursos financeiros, que tudo existiria. O problema é que a globalização dos riscos é o reverso da medalha do mundo destravado, sem limites, mas com limitações, dos valores às disponibilidades mundanas do conforto e dos padrões convencionados de qualidade de vida. Basta uma desestabilização de um qualquer fator da cadeia de fornecimento de bens e serviços para que demasiados fiquem sem saber o que fazer, face a dificuldades ou falhas que são tão insignificantes perante um quadro de guerra com o que se vive na Ucrânia.
A verdade é que a guerra na Ucrânia por ser na nossa Europa, a do Atlântico aos Urais, por ter uma maior projeção mediática e por ter suscitado uma forte reação do ocidente face à agressão interpela-nos de forma diferente. Já foi assim com a pandemia e volta a ser assim com esta guerra mais próxima, mais na nossa zona de conforto.
A equação desta guerra não será fácil de resolver, pela vontade da besta, pela resiliência dos agredidos e pela impotência da comunidade internacional perante as ambições russas, apoiadas e compreendidas pelos comunistas portugueses, os mesmos que foram parte da solução de governo em Portugal entre 2015 e 2021.
Vivemos horas negras para a Humanidade, depois de uma pandemia que de uma grande potência económica se espalhou pelo mundo, uma guerra pela mão de uma grande potência militar, reerguida dos despojos da URSS, primeiro pela via digital, sem nunca ter perdido a soberba imperial e o conforto dos aprisionados do lado errado da história espalhados pelo globo.
Em Portugal, sem deixarmos de afirmar esta enorme capacidade de mobilizar energias para a acudir à globalização dos riscos, era bom reforçar a atenção e a ação na transformação do país como um todo, sem termos os filhos e os enteados, nas comunidades e nos territórios.
NOTAS FINAIS
INSANIDADE DOS PREÇOS. Além das mortes e das imagens, a guerra na Ucrânia vai-se projetar no nosso quotidiano através do aumento de preços de bens e serviços essenciais. Este era o tempo para a ganância fiscal do Estado com os impostos sobre os combustíveis ser moderada, ao invés das migalhas anunciadas. É que não se modera agora vai pagar mais à frente em apoios sociais para novos carenciados e desempregados.
DOIS PESOS, DIFERENTES MEDIDAS. Em Portugal, ou não há critério, ou o critério é aplicado de forma diferenciada em função dos interlocutores ou visados. Imagine-se o que não seria se o Benfica tivesse beneficiado de um perdão de dívida de milhões de um banco intervencionado com o dinheiro dos contribuintes? A chamada verdade desportiva com o dinheiro dos outros. Pois bem, “a Sporting, SAD contraiu dívida junto do BES e Millennium BCP que não conseguiu pagar. A Sporting, SAD reestruturou essa dívida, beneficiando de um perdão de 12 milhões de euros de juros decorridos e por pagar. A Sporting, SAD e estes dois bancos converteram mais de 150 milhões de euros de dívida da Sporting, SAD num instrumento financeiro chamado VMOC, valorizando cada título a um euro quando as ações da Sporting, SAD eram cotadas muito abaixo desse valor”. A Sporting, SAD recompra os VMOC, alegadamente por 30% do seu valor. Parte do texto é oficial, não é cartilha, é sobre gamanço. Sem alarme social e mediático.