O jovem Pavlo, de 19 anos, chegou a Lisboa no passado dia 21 de fevereiro. Tinha como objetivo visitar amigos e divertir-se, no entanto, depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, anunciar o início de uma operação militar, com várias explosões registadas em diferentes cidades da Ucrânia, os seus planos mudaram. O estudante de Turismo divide-se entre a vontade de ficar em Portugal ou noutro país europeu e a preocupação com a família.
“Estou a tentar não entrar em pânico. Vim visitar os meus amigos. Espero que a nossa embaixada nos ajude e salve. Não tenho a certeza se devo ficar em Portugal, penso na Europa no geral… Só sei que não quero ir para a Ucrânia”, esclarece o rapaz que não pretende revelar o apelido por temer represálias. “A embaixada diz que é muito perigoso ir para lá. De qualquer forma, estou a contactar a minha família e os meus amigos, envio-lhes mensagens, quero informações. Por exemplo, a minha mãe está a dar comida, água, etc. a quem mais precisa”, elucida o ucraniano, garantindo que hoje, tal como outrora, se vive “uma vida normal” tendo em conta os parâmetros a que estão habituados. “Não nos esqueçamos de que a guerra não começou hoje, mas sim há oito anos”.
Pavlo alude à Revolução Ucraniana de 2014, também conhecida por Revolução da Dignidade. Arrancou em Kiev com violentas manifestações, conhecidas como Euromaidan, contra o governo do Presidente eleito, Viktor Yanukovych. A título de exemplo, no início de dezembro de 2013, ouviam-se cada vez mais ecos da Revolução Laranja de 2004 nas ruas de Kiev e de várias cidades do Oeste da Ucrânia. Mais de uma semana depois do início de protestos de dezenas de milhares de ucranianos pró-Europa – impelidos pela recusa do Presidente de assinar um acordo comercial e de associação com a União Europeia (UE) –, o número de manifestantes nas ruas aumentava e com ele as tensões entre opositores ao líder e às autoridades.
A 1 de dezembro daquele ano, entre 100 e 350 mil pessoas ocuparam a Praça da Independência em Kiev, marchando por várias ruas da capital e invadindo escritórios e edifícios governamentais. A luta nas ruas perante as pressões da Rússia sobre Yanukovich para que não assinasse o acordo estendeu-se, então, à exigência de que o Presidente abandonasse o cargo, pusesse fim à “repressão política”, convocasse eleições antecipadas e libertasse de imediato a ex-primeira-ministra ucraniana, Yulia Timoshenko, uma das líderes da Revolução Laranja. Já em abril de 2014, o chefe da diplomacia do Kremlin afirmava que “não há razão nenhuma para duvidar que são os americanos que estão a dirigir o espectáculo”, referindo-se à revolução na capital ucraniana que derrubou o governo pró-Kremlin de Viktor Yanukovych. E acrescentou: “Se os nossos interesses legítimos forem diretamente atacados, como aconteceu na Ossétia do Sul, não vejo alternativa senão respondermos de acordo com o direito internacional […]. Se formos atacados, certamente iremos responder”, disse Sergei Lavrov à televisão estatal RT.
“É difícil avaliar com clareza o tenso cenário que se está a desenhar no interior da Ucrânia e ver para lá da cortina de propaganda e da incessante troca de acusações entre a Rússia e as autoridades pró-ocidentais de Kiev, mas na guerra de palavras cada vez mais se vislumbra a antiga oposição que levou à Guerra Fria, e parece claro que este conflito decidirá a linha até onde Washington pode avançar no que Moscovo ainda assume ser o seu quintal”, escreveu na altura o i. A Rússia travou uma breve guerra com a Geórgia no Verão de 2008, depois de Tbilissi ter enviado tropas para a região separatista da Ossétia do Sul para recuperar o controlo da região dos rebeldes apoiados pelo Kremlin. “Fez tudo isso porque a Ucrânia quis ser independente, mas a Rússia quer ter uma colónia e continuar com a União Soviética! Na Geórgia, em 2008, ocuparam muitos territórios. Estamos em 2021 e tenho a certeza de que esta guerra está a acontecer porque eles não foram parados”, reconhece Pavlo com tristeza.
“A Ucrânia tem duas escolhas: ser uma colónia da Rússia ou lutar. Temos de proteger a nossa terra, a nossa gente não pode desistir. Hoje é o primeiro dia do fim da presidência de Putin e do colapso da Rússia. Temos de ser fortes. Isto está nas nossas mãos, estamos prontos para morrer pelo nosso país. Se estivesse lá, e se os russos fossem à minha cidade, seria muito perigoso, ia proteger a minha terra porque nasci lá e o meu destino é proteger o meu país”, aponta o estudante que assume que se, antes do desenvolvimento deste cenário bélico, tivesse pensado em ir para outro país, não teria começado os estudos superiores na Ucrânia.
“Quero trabalhar no meu país. Temos de reconstruir a Ucrânia e precisamos de pessoas para isso. Estive na embaixada porque quero ter informação para saber aquilo que posso fazer e deram-me contactos de associações, de voluntários, etc. Vou esperar, o que posso fazer? Fecharam o espaço aéreo”, continua, admitindo que teve conhecimento daquilo que estava a acontecer ao início da manhã desta quinta-feira. “Estava a dormir, eram 6h, pensei que os meus amigos me estavam a ligar a gozar quando disseram que havia uma guerra. Até que fui às redes sociais e vi uma mensagem da minha mãe a informar-me de que estava realmente a haver um conflito e muitas pessoas tinham morrido”.
“Durante oito anos, houve uma guerra não oficial, mas agora as forças russas estão no território. Isto é a sério. Cerca de 1000 pessoas foram mortas. Só numa pequena vila em Odessa, até ao início da tarde, mataram 18 pessoas. Os russos não podem permitir que o governo deles nos faça isto, mas tudo vai depender também dos ucranianos”, confessa. “Temos de estar juntos. Nos próximos dias, vai haver um ataque contínuo. A Rússia não vai parar hoje nem amanhã. Estamos a viver um pesadelo, mas vamos sair disto mais unidos e independentes”.
“Se estivesse com Putin, perguntaria ‘Porquê’?” Quem vai ao encontro da perspetiva de Pavlo é Alexandra Figueira, adolescente de 14 anos filha de pai português e mãe russa. A jovem nasceu em França e é lá que reside. No entanto, encontra-se atualmente nos arredores de Moscovo, neste momento, porque decidiu visitar o avô materno. “Cheguei há poucos dias. Queria ficar mais tempo, a aproveitar as férias, mas a situação agravou-se, as tropas invadiram a Ucrânia. Tenho impressão de que a população tem muita vergonha aqui porque é bastante mal representada. Por exemplo, vou com a minha mãe à cidade e todos são muito simpáticos, são representados por esse governo que não corresponde nada a eles”.
“Têm vergonha deste governo tão injusto, há sempre uma sensação de desconforto porque toda a gente tem Internet, acede às notícias e sabe o que está a acontecer, mas não tem nenhum poder para mudar algo. Estão a ser espectadores de uma cena em que são vilões, mas não fizeram nada. É muito assustador”, acrescenta a menina que está em território russo e ainda na quarta-feira ouviu Vladimir Putin dizer que a Rússia estava aberta “ao diálogo”. O Presidente russo destacou que o país procura “soluções diplomáticas”, mas ressalvou que os interesses do país “não são negociáveis”. “O nosso país está sempre aberto ao diálogo direto e honesto, à procura de soluções diplomáticas para os problemas mais complexos”, começou por dizer o chefe de Estado russo, referindo-se ao conflito com a Ucrânia, num discurso que foi transmitido na televisão no âmbito do Dia do Defensor da Pátria, celebrado naquele país. “Os interesses da Rússia, a segurança dos nossos cidadãos, não são negociáveis”, rematou. Ao i, uma jovem polaca, que reside em Cracóvia, não tem a mesma sensação e, por isso mesmo, não quer revelar a identidade. Tem visto e ouvido aviões de forma quase constante e aponta que a revolta não começou agora, na medida em que tem conhecimento da existência da realização de várias manifestações naquele país, vizinho da Rússia.
“Quando cheguei cá, ainda não tinha acontecido nada. Tínhamos esperança de que tudo acalmasse e não fariam nada de mais, mas fiquei desiludida e é uma sensação de não saber o que se vai passar nem quando. Ainda ontem estava tudo mais ou menos bem, mas acordei hoje e a minha mãe estava na cozinha a pesquisar bilhetes de avião. Acho que a situação vai estar bastante mal uns tempos e o que o Presidente quer é mostrar o seu poder e acho que não vai parar antes de mostrar que está no topo”, reconhece Alexandra, que tem assistido atentamente e com preocupação à escalada da tensão entre a Rússia e a Ucrânia.
“É uma situação delicada porque toda a gente quer castigar a Rússia, mas também está dependente do gás e de tudo aquilo que ela pode dar. O resto dos países quer vingar-se, mas não pode”, sublinha. Na manhã de ontem, o i noticiou que o gás natural TTF (Title Transfer Facility) para entrega em março subira 29% no mercado holandês para mais de 100 euros por megawatt hora (MWh), depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia hoje de madrugada. De acordo com dados disponibilizados pela Bloomberg, às 8h30 em Lisboa, o gás natural estava a cotar-se a 113 euros por MWh, mais 29,14% do que no fecho de quarta-feira, embora no início das negociações tenha atingido 118 euros.
“Putin, por enquanto, vai continuar porque não há nada que o impede e é complicado. As guerras grandes… Tinha esperança de que a Humanidade tivesse tirado conclusões, mas parece que não. Só espero que no futuro haja outra mentalidade e possamos fazer da política uma coisa melhor e mais positiva”, lamenta a adolescente que regressará a França esta sexta-feira com a mãe. “Tenho receio daquilo que possa acontecer, especialmente, ao meu avô. Sei que nos próximos dias não se vai passar nada nos arredores de Moscovo porque é a capital, mas não o queria deixar num país tão instável”, desabafa, lembrando que voltou à Rússia, pela primeira vez desde o início da pandemia, em outubro de 2021.
“Acho que as pessoas aqui estão bastante habituadas a instabilidades como esta, mas esta é uma situação muito mais avançada. Toda a gente está preocupada, mas não surpreendida. Na Rússia não há grandes movimentações, mas na Ucrânia há muitas pessoas a fugir. Sei que estão todos em pânico”, declara, respondendo de seguida à pergunta “O que farias se estivesses com o Presidente Putin?”. “Se estivesse com Putin, perguntaria ‘Porquê?’ e gostaria de ter explicações. A Rússia é um país tão grande, podia fazer tantas coisas boas, tem tanto potencial, e eu só queria saber por que motivo Putin quer dirigir um país assim! Está a fazer mal a tantas pessoas e a meter tanto medo. Muitas pessoas não pensavam que isto iria tão longe”.