Guayquil. O Barcelona do Equador e a vitória que demorou dois dias

Guayquil. O Barcelona do Equador e a vitória que demorou dois dias


Fundado por um catalão chamado Eutimio Pérez e vestindo as cores da Catalunha, o Barcelona do Equador tornou-se famoso num jogo que começou num dia e acabou no outro.


No dia 20 de Agosto de 1967, o Benfica jogou em Guayaquil, no Equador. Era um tempo em que os encarnados recebiam milhares de dólares para apresentarem um pouco por todo o mundo a sua equipa de estrelas. Brilhando sobre todas elas, Eusébio da Silva Ferreira. Nas bancadas o público vibrou com dois golos de livre directo do Pantera Negra, um dos quais a cerca de quarenta metros da baliza do guarda-redes Macias. Vitória por 3-2 (o outro golo foi de António Simões). Adversário? Barcelona. Mas não o Barcelona de Barcelona, Catalunha. O Barcelona Sporting Club, ou Barcelona de Guayaquil, um curioso clube da cidade equatoriana de Santiago de Guayaquil, a maior do país e também o seu porto internacional mais activo.

Claro que tinha de haver um espanhol metido ao barulho. Chamava-se Eutimio Pérez, emigrara para o Equador no final de 1919, era um fanático do autêntico Barcelona e resolveu, para matar saudades, fundar no dia 1 de Maio de 1925 estoutro Barcelona que, por acaso ou por destino, se tornou o maior campeão equatoriano de sempre, com 16 títulos, e a única equipa a nunca ter descido de divisão.

O emblema do Barcelona Sporting Club foi copiado sem grandes pudores do do clube da Catalunha. Mas há que dizer que já só foi adoptado depois de Eutimio ter regressado a Espanha. Talvez ele tivesse, de facto, algum pudor em roubar o escudo barcelonista.

Nascido no Barrio Astillero de Guyaquil – astillero é a palavra castelhana para estaleiro –, uma zona de grande actividade comercial na foz do rio Guayas, viu-se vizinho do seu grande rival de sempre, o Emelec. A sua estreia deu-se no dia 15 de Junho de 1925, contra o Ayacucho, com vitória por 1-0. A coisa prometia.

O futebol no Equador manteve-se amador por muito tempo. O Barcelona ia disputando, com algum brilhantismo e muito apoio popular, apesar de ter um nome que soava a colonizadores como nenhum outro, nos torneios da Associación de Futbol de Guayas. Mas ganhou verdadeiro prestígio quando recebeu a visita de duas das maiores equipas da época de ouro do futebol colombiano, o Deportivo de Cali e os Millionarios (onde jogou Di Stéfano), isto já nos anos-40. Duas vitórias, por 3-2 e 10, respectivamente, transformaram o Barcelona num clube com nome internacional. O crescimento foi bombástico. Quando, em 1951, o profissionalismo tomou conta do futebol do país, o Barcelona, entretanto cognominado de Los Toreros, estava mais do que pronto para a nova realidade. E, até 1967, embora as competições continuassem a ter uma dimensão regional, levou claramente a melhor sobre o seu inimigo e vizinho Club Sport Emelec, fundado a 28 de Abril de 1929 por um americano, George Capwell, nada menos do que o presidente da Empresa Eléctrica del Ecuador (a contração dos três nomes formou a designação do clube), o que lhe dava uma aura de riqueza e de poder que o Barcelona decididamente não tinha. E, mais uma vez na história do futebol, a rivalidade cresceu entre ricos e pobres.

Popularidade. Se Eutimio Pérez foi o grande impulsionador da fundação do Barcelona Sporting Club, um grupo de jovens entusiastas seguiu, de imediato na sua peugada. Intitulavam-se La Gallada de la Modelo, ou Os Galos do Modelo, outra zona muito activa da cidade. Eutimio fez sempre questão que, apesar do nome, o Barcelona fosse um clube dirigido por gente da terra, dando por isso o cargo de primeiro presidente ao equatoriano Carlos García Ríos, ficando o catalão Onofre Castells como primeiro presidente honorário.

Se o emblema é igual ao do Barcelona, o equipamento do Barcelona Sporting Club baseia-se nas cores da bandeira da Catalunha. E os primeiros grandes ídolos a vesti-la surgiram na década de 40, primeiro um terrível avançado chamado Sigifredo Chucuca e, em seguida, vários jogadores panamianos, uma aposta pessoal do presidente à época, Federico Muñoz Molina. Dentre eles, Fausto Montalván Triviño, em redor do qual construiu um conjunto de garotos de imensa qualidade. “Este equipo empezó a llamar la atención por su garra, por su juego, por su lucha en la cancha”, contaria, mais tarde, Fausto. E o ponto alto da sua categoria deu-se contra os Millionarios de Bogotá e sua linha avançada tremenda – Néstor Raúl Rossi, Adolfo Pedernera y Alfredo D’Stéfano. A vitória (3-2) começou no dia 31 de Agosto de 1949 e terminou a 1 de Setembro. O jogo teve início às 22h45 e terminou bem para lá da meia-noite.