Do lado da Constituição (III)


Para contrariar a descrença e erosão cultural dos valores democráticos, nada melhor do que proceder a uma abordagem empenhada, permanente, generosa, aberta e criadora do texto e propostas constitucionais.


Uma das questões que mais contribuiu para a recente e algo inesperada deriva do panorama político do nosso país é a do esquecimento, voluntário ou involuntário, a que tem sido votado o estudo e a divulgação dos princípios e valores da Constituição.

Não falo, claro, do estudo jurídico de natureza académica, que sempre foi existindo, com mais ou menos entusiasmo e rigor, nas faculdades de direito nacionais.

Falo, sim, de uma sua difusão escolar junto dos estudantes de outros graus de ensino e, mesmo, de uma divulgação acessível à maioria dos portugueses de todas as idades; uma abordagem feita através dos media e, mais empenhadamente, de centros de difusão cultural de natureza associativa, a criar, porventura, para o efeito.

Hoje-em-dia, é comum ouvir nos media nacionais referências insistentes e sempre entusiasmadas aos direitos humanos e dos cidadãos, designadamente quando se evidencia a sua violação em outros países e continentes.

Fala-se ainda, e muito, de novas e particulares gerações de direitos, incluindo daqueles que devem assistir a outros seres vivos não humanos.

E, no entanto, muito pouco se estudam, divulgam e discutem, entre nós, todos os distintos tipos de direitos humanos e de cidadania que a nossa Constituição consagra.

De alguns deles, inclusive, ouve-se dizer, em tom pejorativo e com muita ignorância e preconceito, não serem mais do que regalias.

A Constituição da República portuguesa integra, na verdade, todo um sistemático e inovador programa de cidadania que parte dos mais elementares – clássicos e mais modernos – direitos e liberdades de natureza política e cívica, para se alargar, com harmonia e profundidade, nos campos dos direitos sociais, económicos, ambientais e culturais.

Conhecer e aprofundar bem tais direitos permitiria aos cidadãos intervir civicamente em áreas tão importantes como a da simples e respeitosa relação entre todos os seres humanos, a da saúde pública, a do trabalho com direitos, da família, da segurança social, da habitação, da defesa da paisagem e de um urbanismo equilibrados, da educação, ou da cultura para todos.

As liberdades e os direitos consagrados no texto constitucional não são, porém, estáticos: eles estão, também, projetados para o futuro.

Quando devidamente analisados à luz das novas realidades e das preocupações atuais dos cidadãos, permitem, assim, leituras avançadas e apropriadas a concretizar programas políticos inovadores suscetíveis de satisfazer, hoje, a melhoria da sua existência em múltiplos aspetos da vida.

Permitem, com efeito, projetar e erguer, para todos, uma vida menos alienada, mais emancipada e mais feliz.

A leitura da Constituição e a reflexão sobre os caminhos que ela aponta possibilitam compreender, também, as muitas insatisfações sentidas, hoje, na sociedade; descontentamentos que têm vindo a condicionar, de múltiplas maneiras, a vida política do país.

Muitas das crises políticas e económicas por que temos passado têm, precisamente, origem nos desvios e corrupção dos valores e princípios constitucionais e não nos passos dados para os concretizar.

É, aliás, fácil constatar que, em muitas situações, reside na não realização dos objetivos e propostas constitucionais a causa de muitos desencantos com a democracia.

O escamotear dessa evidência, e o alheamento em que dela querem manter os cidadãos, ajuda, pois, à difusão de ideias políticas perigosas, demagógicas e antidemocráticas.

Poucos são, no entanto, os cidadãos que estão suficientemente esclarecidos sobre essas inconsequências, sendo por tal razão que alguns deles procuram, agora, em projetos requentados e com péssimos resultados – mas embelezados e divulgados constantemente como se novos fossem – as soluções para a frustração das suas perspetivas de vida.

Exemplo desses desapontamentos são, ainda hoje, a persistência da patente iniquidade de muitas pensões, a das injustas retribuições laborais de um grande número de portugueses e a dificuldade de acesso a uma habitação confortável.

Para contrariar a descrença e a erosão cultural dos valores democráticos, nada melhor, portanto, do que proceder a uma abordagem empenhada, permanente, generosa, aberta e criadora do texto e propostas constitucionais.

Só tal divulgação consentirá às gerações mais jovens tomar contacto com tais propostas, permitindo-lhes discutir livremente, nessa base, a sua situação atual, evitando, assim também, os becos perigosos para onde alguns procuram empurrá-las.

Uma tal abordagem constituirá, ainda, seguramente, uma inspiração para programas políticos de uma governação avançada que, longe de infletirem o caminho já percorrido, reflitam, antes, soluções seguras e solidárias capazes de ajudar a resolver os bloqueamentos sentidos pela maioria dos jovens.

Jovens que, até pela formação que esforçadamente adquiriram, têm razão e direito a almejar uma existência mais estável, justa e equilibrada do que a efetivamente vivem hoje.

Congregar esforços e vontades dos democratas das mais variadas tendências para, de novo, se consolidar uma cultura política fundada na solidariedade, e não no individualismo e no egoísmo mais cruéis, deve ser a principal preocupação política atual.

Só contrariando com clareza, imaginação e tenacidade a avalancha mediática que promove sistematicamente os valores contrários à Constituição se poderá consolidar a Democracia e concretizar os valores de dignidade humana que ela permite e visa efetivar.