Talvez surpreendidos pela maturidade da escolha democrática dos eleitores portugueses, foram muitos os cronistas e comentadores de diversos órgãos de comunicação social que mais do que analisar as motivações profundas dessa escolha, optaram por sublinhar as condições de dificuldade acrescida em que se inicia o novo ciclo, com os indicadores preocupantes de inflação a pressionarem a economia global, particularmente as economias mais endividadas como a portuguesa e com os riscos de uma confrontação global entre potências cada vez mais exacerbados.
A dimensão do desafio não justifica fraquezas de alma ou fragilidades de vontade. Na imprensa internacional os resultados em Portugal e a solução política encontrada em Itália para a Presidência da República levaram a que se antevisse, como foi o caso da conceituada revista The Economist, um surpreendente voo dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) no acrónimo inglês.
Precisamos de alento para enfrentar as vagas alterosas que se avizinham. Esse alento não virá de discursos deprimidos ou derrotistas, mas sim de ações focadas nas questões fundamentais que temos que resolver. Ações que tenham um impacto positivo na questão mais estrutural que nos assola e que em minha opinião é a incapacidade que temos tido, não de convergir em termos de criação de riqueza, que isso ainda que timidamente fizemos nos últimos anos, mas de convergir em termos de rendimentos das famílias e em particular em termos de capacidade de remunerar e fixar com boas condições de vida a geração mais qualificada de sempre.
Se tivesse que escolher um desígnio, ou seja um projeto mobilizador para agregar a transformação que temos que continuar a prosseguir, na transição digital e energética, no desenvolvimento dos territórios mais vulneráveis, na resposta ao inverno demográfico, na atração de novos investimentos produtivos, no reforço das qualificações, escolheria a convergência dos rendimentos com a média europeia, com particular ênfase nas gerações mais jovens. A geração Erasmus tem maioritariamente um enorme orgulho de ser portuguesa e Europeia, mas sente-se amarrada pela impossibilidade de se emancipar financeiramente e ter padrões de construção do seu projeto de vida similares aos que encontram na maioria dos outros países da parceria europeia.
Quebrar este nó é um desígnio valioso e sensato por si mesmo, mas também pelo impacto sistémico que dele decorre. Com melhores remunerações líquidas os jovens qualificados em diversos níveis e patamares e espacializações, produzirão mais, valorizarão as cadeias de geração de valor, serão mais realizados e tornarão mais felizes as suas famílias, estimularão os espaços e os territórios em que se fixarem, adotarão práticas de referência e ajudarão a concretizar de forma alicerçada e estrutural os programas de recuperação e resiliência que vamos pôr em prática.
Os comentadores que anunciam os riscos externos que vamos enfrentar poderiam também, se assim o entendessem, indicar caminhos, atalhos e soluções para darmos a volta por cima. Alguns fazem-no, mas outros parecem ter outros desígnios. O que aqui partilho e deixo à consideração e à reflexão dos leitores, é um desígnio difícil, mas em que vale a pena apostar.
Eurodeputado do PS