Uma invasão do leste da Ucrânia pela Rússia não provocará uma reacção armada nem dos EUA nem dos europeus. O ocidente limita-se a prosseguir a formação dos militares ucranianos e acelera o equipamento daquelas forças armadas. A reacção de Washington a uma invasão russa será económica mas muito pesada: proibição das importações provenientes da Rússia (assentes nas indústrias extractivas: gás natural, petróleo, carvão, ouro, alumínio, aço, madeira) e de toda e qualquer transacção financeira (o sistema SWIFT é controlado pelos EUA) o que tornará o rublo inconvertível e impossíveis quaisquer transacções financeiras de e para a Rússia. Os EUA mantêm uma notável capacidade de aplicação extraterritorial das sanções económicas que aplicam. Nenhum banco ou agente do sistema financeiro dos restantes Estados quer deixar de estar nas boas graças de Washington e perder o acesso ao mercado e ao sistema financeiro americanos.
A dependência europeia (em particular de uma Alemanha que renunciou ao nuclear) do gás natural russo foi fortemente reduzida com a decisão de Obama de vender os excedentes de hidrocarbonetos produzidos nos EUA. Desde então multiplicaram-se na Europa, sobretudo a leste, os terminais portuários de LNG. A Europa pode ser abastecida a partir destes terminais e os gasodutos herdados da época soviética (Amizade, Yamal, Soyuz, …) podem funcionar em sentido inverso, levando gás de oeste para leste. Mas a adaptação do mercado não será instantânea e o preço do gás disparará durante vários meses, inflacionando os preços de bens e serviços e gerando rupturas de stocks. A espiral de inflação será acompanhada da subida das taxas de juro: más notícias para os Estados, empresas e famílias endividados.
Não querendo pagar o preço de um conflito militar com a Rússia os EUA apostam na quebra económica de Moscovo. Por Washington há vontade de tentar matar o macaco (Rússia) para assustar o tigre (China). O regresso dos democratas à Casa Branca foi também o regresso da política externa de Hillary Clinton: confronto directo com a Rússia na sua auto-proclamada esfera de influência e tentativa de responder taco a taco à expansão do poderio chinês.
Claro que o tigre não se assusta facilmente e que o macaco pode não querer morrer sem escalar o conflito, passando ao armamento nuclear táctico (é um dos perigos de armar os ucranianos). A derrota económica da Rússia não dará origem à democratização do sistema político antes reforçará Putin na luta contra o inimigo externo.
A drástica redução do consumo de gás russo pela Europa será aproveitada pela China e pela Índia graças à política de saldos que Moscovo terá de praticar. Portugal tem vantagens comparativas: a não dependência do fornecedor russo (compramos gás à Nigéria, EUA e Argélia) e uma grande capacidade de armazenamento nas cavernas de sal gema no Carriço, ligadas por gasoduto ao terminal de LNG em Sines. Uma nova subida de preços permitirá arbitragens entre diversos mercados, jogando com a capacidade de armazenamento e os contratos de longo prazo (que privilegiam a segurança do abastecimento em vez da volatilidade dos preços).
O aumento da procura pelo gás natural traz boas notícias a Angola e sobretudo a Moçambique onde a produção de LNG se está a fazer ao largo, em navios fábrica, fugindo à insegurança dos conflitos armados nas províncias do norte do país. A retoma do crescimento económico nestes dois Estados também oferece novas oportunidades aos investidores portugueses.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990