Pela primeira vez desde que há estatísticas organizadas nasceram menos de 80 mil crianças em Portugal. Ainda não são os dados oficiais dos nascimentos publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, mas o balanço do rastreio neonatal, feito aos recém-nascidos nos primeiros seis dias de vida e com cobertura de 99,5% em Portugal, revela que em 2021 foram feitos os chamados testes do pezinho a 79.217 bebés em Portugal, menos 6239 do que em 2021. É o equivalente ao número de nascimentos que costuma acontecer nos meses com menos bebés em cada ano (uma curiosidade histórica é que setembro costuma ser o mês com mais recém-nascidos e no ano passado não foi exceção). Mas depois de ter havido expectativas em torno de um baby boom pandémico depois do primeiro confinamento em 2020, há muito que se tinham diluído e foi como se o segundo ano pandémico, no que toca à natalidade, tivesse tido menos um mês.
Os dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a que o i teve acesso, indiciam uma descida dos nascimentos em todos os distritos do país, mais expressiva em termos percentuais no Interior, sobretudo em Bragança e na Guarda, mas que assume os maiores números em Lisboa e no Porto, que concentram quase metade do nascimentos em Portugal. Nestes dois distritos nasceram 38230 crianças em 2021, menos 2518 do que em 2020.
A confirmar-se este balanço, está atingido um novo mínimo histórico de nascimentos em Portugal desde 1886, quando começaram as estatísticas organizadas sobre nascimentos em Portugal – foi anos antes, em 1878, que passou a ser obrigatório reportar nascimentos. A natalidade subiu no final dos anos 90 e atingiu, no passado mais recente, um pico de 120 mil nascimentos no ano 2000, mas a partir daí a tendência foi sempre decrescente, com um mínimo histórico em 2014, no auge da crise financeira e da intervenção da troika. Depois os nascimentos voltaram a subir em 2015, 2016 e 2018 mas não voltaram a ir além dos 90 mil e em 2019 voltaram a diminuir, como aconteceria de novo em 2020 e agora no ano que acabou, a uma escala maior.
Ana Alexandre Fernandes, professora de sociologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia salienta que por muito que se fale de natalidade, há um aspeto incontornável: com a descida dos nascimentos nas últimas décadas, há menos mulheres em idade fértil, o que já tornaria difícil regressar aos números de natalidade do passado. Mas juntam-se outros dois fatores: por um lado, o índice sintético de fecundidade, que em Portugal chegou a baixar 1,21 filhos por mulher em idade fértil e subiu para 1,40 nos últimos anos, mas desde 1982 que está abaixo dos 2,1 – os dois filhos necessários para que haja a reposição de gerações dos dois progenitores. Com menos mulheres em idade fértil na estrutura demográfica do país e menos filhos, a tendência será a natalidade continuar a cair. A que acresce ainda outro indicador: as mulheres tendem a ter o primeiro filho cada vez mais tarde, o que por outro lado tem aumentado situações em que são necessários tratamentos de fertilidade, de acesso nem sempre fácil, e que segundo as últimas estatísticas representam 3% dos nascimentos em Portugal, em linha com que acontece no resto da Europa. “Se não se conseguir aumentar a propensão para ter filhos, não se vai conseguir inverter a quebra de natalidade”, diz Ana Alexandre Fernandes, sublinhando também o papel da entrada de imigrantes, que nos últimos anos chegaram a representar mais de 10% dos nascimentos no país. Como? A pergunta repete-se há anos e para a investigador é necessária uma política que articule as diferentes dimensões, do apoio aos pais nos primeiros três anos de vida das crianças, a subida de salários, menos precariedade nos jovens mas também uma perceção do que está em causa. “Estas crianças serão os futuros adultos do país”, sublinha, considerando que matérias como a sustentabilidade da Segurança Social deveriam merecer mais debate e que políticas de outros países podem servir de exemplo. Em França, que no início da década de 2010 conseguiu voltar a elevar o índice de fecundidade para a casa dos 2 filhos por mulher, há uma compensação na reforma para pais que criam os filhos sozinhos. Uma discussão que admite que poderá vir a colocar-se em Portugal: “Não no sentido de penalizar quem não teve filhos, mas de compensar de alguma forma no cálculo da reforma quem optou por ter filhos”. A investigadora admite no entanto que em Portugal, em várias frentes, continua a não existir uma política pró-natalista. “Lembro-me de uma vez, quando fui à Suécia quando o meu filho era pequeno entrei num autocarro e disseram-me que ele não pagava. Na altura até estranhei”, recorda.
Hoje há passes gratuitos até aos 12 anos, mas é preciso fazer os cartões de antemão para beneficiar do desconto e não se pode aproveitá-los num passeio ocasional, algo simples que poderia facilitar a vida e a carteira dos pais.
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