“Criminoso, completamente irresponsável”, qualificou Tim Clark, presidente da Emirates, uma das companhias aéreas que cancelaram voos nos EUA, espantado por descobrir que a recém-instalada rede 5G americana interfere com aparelhos de bordo que operam numa frequência próxima. Não é esperado que o caos na aviação se estende à União Europeia, que teve cuidado de estabelecer que o 5G tenha de operar numa faixa de frequência mais baixa.
“Não sabíamos disto até ontem de manhã”, queixou-se Clark, à CNN, esta quarta-feira. “Alguém lhes devia ter dito há muito tempo que ia comprometer a segurança de operação de aeronaves em áreas metropolitanas, o que poderia ter consequências catastróficas se tivesse sido permitido que continuasse”.
Não é só a Emirates – que até agora já suspendeu indefinidamente os seus voos nos aeroportos de Boston, Chicago, Dallas, Miami, Newark, Orlando, San Francisco e Seattle – que se mostra preocupada. Outras companhias aéreas também cancelaram voos, incluindo a Air Índia ou a ANA (All Nippon Airways). Têm em comum o facto de utilizarem os Boeing 777, cujo altímetro sofre de interferências com o 5G americano, notificou o fabricante.
A Lufthansa ainda conseguiu manter os seus voos nos EUA substituindo os Boeing 777 pelos Boeing 747-400, enquanto a Korean Air Lines os trocava por Boeing 747-8. Mas a Emirates não teve hipótese, dado que esta companhia sediada no Dubai é a que mais utiliza os Boeing 700.
O problema é que os altímetros de rádio – um aparelho que permite medir a altitude da aeronave em relação ao nível médio do mar, que se tornam essenciais manobrando em condições de má visibilidade – operam numa faixa de frequências entre os 4.2 e 4.4 GHz, muito próximas das faixas do 5G americano, entre os 3.7 e os 3.98 GHz, mais conhecidas por banda C. As autoridades americanas leiloaram o direito a construir rede nessa parte do espectro por uns incríveis 80 mil milhões de dólares (o equivalente a mais de 70 mil milhões de euros), ficando boa parte dos projetos nas mãos da AT&T e da Verizon, que já gastaram 67 mil milhões de dólares (quase 60 mil milhões de euros) a comprar estas licenças.
Face à polémica, estes dois gigantes das telecomunicações americanas aceitaram, relutantemente, suspender o seu lançamento das torres 5G nos arredores de aeroportos.
Na prática, se o problema não fosse resolvido, isso poderia significar que “essencialmente, só se poderia fazer abordagens visuais” à pista de aterragem, obrigando a cancelar os voos com o mínimo mau tempo, alertou Scott Kirby, diretor-executivo da United Airlines, à Reuters. A longo prazo, o plano deverá passar por certificar os altímetros para funcionar mesmo perto das torres de 5G americanas.
No centro do problema parece ter estado alguma ganância das operadoras de telecomunicações americanas – quanto mais alta a frequência, maior a velocidade do 5G, tirando-se mais valor do serviço.