Não desarrumem as cegonhas


As cegonhas desapareceram por completo, fartas certamente daquele bailado de bruxas de McBeth, esqueceram o motivo que as levou a erguerem-se num desassossego tão impróprio de cegonhas.


Alguém veio, sorrateiro, durante a noite, e mexeu nas cegonhas. Encontrei-as desarrumadas e inquietas, e as cegonhas nunca se desinquietam para lá dos ninhos empoleirados nos postes de electricidade, falando nos seus clac-clac dos bicos e, às vezes, e assobios fininhos, quase inaudíveis. Olho para o céu e elas voam entontecidas de um lado para o outro, num grupo grande, como se fossem andorinhas.

Parece que querem rebelar-se contra algo, ou marcar uma posição colectiva, mas a desorganização não me deixa entender a mensagem. Não há dúvidas que alguém tratou de bulir com a sua paz, pegou-lhes fogo às almas, atormentou-lhes a sua manhã atravancada de sol. Cortam o azul do céu com as suas figuras longilíneas, rabiscos clássicos de aprendiz de pintura. Ilusões infantis perdidas num sonho mal dormido, ou uma noite em branco como as suas asas.

Daqui a pouco, Verlaine, daqui a pouco, talvez saibamos todos porque as cegonhas ficaram desnorteadas.  Poderás falar do teu império no fim da decadência, como nós, na Terra, falamos do futuro no fim da maldição da doença. “Je suis l’Empire à la fin de la décadence/Qui regarde passer les grands barbares blancs/En composant des acrostiches indolents/D’un style d’or où la langueur du soleil danse…”

O sol dança-me no abrir e fechar das pálpebras, aceso como uma fogueira, impossível de fixar de frente. As cegonhas dançam ainda por mais um bocado longo até que se dispersam de regresso a casa. A manhã estala de calor neste Inverno fervente, as lajes da varanda queimam-me os pés descalços, os pardais vêm comer o arroz que lhes deixei de véspera.

As cegonhas desapareceram por completo, fartas certamente daquele bailado de bruxas de McBeth, esqueceram o motivo que as levou a erguerem-se num desassossego tão impróprio de cegonhas. Olha lá, tu, Deus ou o Diabo, pouco importa, não me mexas nas cegonhas. Detesto que me desarrumem as cegonhas. Detesto que me desarrumem a vida.

Não desarrumem as cegonhas


As cegonhas desapareceram por completo, fartas certamente daquele bailado de bruxas de McBeth, esqueceram o motivo que as levou a erguerem-se num desassossego tão impróprio de cegonhas.


Alguém veio, sorrateiro, durante a noite, e mexeu nas cegonhas. Encontrei-as desarrumadas e inquietas, e as cegonhas nunca se desinquietam para lá dos ninhos empoleirados nos postes de electricidade, falando nos seus clac-clac dos bicos e, às vezes, e assobios fininhos, quase inaudíveis. Olho para o céu e elas voam entontecidas de um lado para o outro, num grupo grande, como se fossem andorinhas.

Parece que querem rebelar-se contra algo, ou marcar uma posição colectiva, mas a desorganização não me deixa entender a mensagem. Não há dúvidas que alguém tratou de bulir com a sua paz, pegou-lhes fogo às almas, atormentou-lhes a sua manhã atravancada de sol. Cortam o azul do céu com as suas figuras longilíneas, rabiscos clássicos de aprendiz de pintura. Ilusões infantis perdidas num sonho mal dormido, ou uma noite em branco como as suas asas.

Daqui a pouco, Verlaine, daqui a pouco, talvez saibamos todos porque as cegonhas ficaram desnorteadas.  Poderás falar do teu império no fim da decadência, como nós, na Terra, falamos do futuro no fim da maldição da doença. “Je suis l’Empire à la fin de la décadence/Qui regarde passer les grands barbares blancs/En composant des acrostiches indolents/D’un style d’or où la langueur du soleil danse…”

O sol dança-me no abrir e fechar das pálpebras, aceso como uma fogueira, impossível de fixar de frente. As cegonhas dançam ainda por mais um bocado longo até que se dispersam de regresso a casa. A manhã estala de calor neste Inverno fervente, as lajes da varanda queimam-me os pés descalços, os pardais vêm comer o arroz que lhes deixei de véspera.

As cegonhas desapareceram por completo, fartas certamente daquele bailado de bruxas de McBeth, esqueceram o motivo que as levou a erguerem-se num desassossego tão impróprio de cegonhas. Olha lá, tu, Deus ou o Diabo, pouco importa, não me mexas nas cegonhas. Detesto que me desarrumem as cegonhas. Detesto que me desarrumem a vida.