Oui, Monsieur le Président


A política externa oferece uma vida alternativa aos políticos caídos em desgraça junto do eleitorado. Mais do que todas, a vitrine da União Europeia atrai os aflitos.


A 1 de Janeiro começou a Presidência francesa do Conselho da União Europeia com um programa claro: garantir que Macron continua no Eliseu depois do dia 24 de Abril, data da segunda volta das eleições presidenciais cujo primeiro round acontece a 10 do mesmo mês. Os seis meses dedicados à Europa terão ainda de alimentar as eleições legislativas agendadas para 12 e 19 de Junho, evitando que a maioria parlamentar seja infiel ao Presidente re-eleito.

É, em boa coerência, o programa eleitoral que alimenta o programa da Presidência da UE. O que é bom para a França é, de acordo com a melhor tradição política gaulesa, bom para a Europa. A principal ameaça à re-eleição de Macron encontra-se à direita. A primeira prioridade política da Presidência da UE será a revisão do regime Schengen, com o propósito dificultar os pedidos de asilo (e a sua instrumentalização “bélica” como a praticada por Lukaschenko) e limitar a imigração. A partir de Bruxelas Macron pretende tirar o tapete à extrema-direita francesa, começando por Zemmour e Le Pen e não dando espaço a Pécresse.

Arrumada a direita, o programa da Presidência da UE parte para a espargata e anuncia três outras prioridades, tomadas de empréstimo à esquerda: rendimento e impostos e revisão dos critérios de Maastricht para o défice. Macron quer fazer aprovar a Directiva sobre salários mínimos adequados (promovendo “condições de trabalho e de vida dignas, a coesão social e a convergência ascendente”), proposta no final de 2020 pela Comissão Europeia, tributar de forma efectiva as grandes empresas de tecnologia da informação e taxar as importações provenientes de Estados que não tributam as emissões de carbono.

Será a primeira Presidência da UE desde 1973 sem o Reino Unido. Tal permitirá mais ambição em matéria próximas do núcleo da soberania nacional (defesa e relações externas) mas não evitará alguns devaneios e poses irrealistas, matérias que o pragmatismo britânico – no bullshit no nonsense – varria rapidamente para o caixote do lixo da história, muitas vezes com recurso a uma só pergunta: “Quanto custa?” que traz sempre associada a terrível questão “Quem é que paga?”.

A Presidência francesa integra um trio de Presidências, uma tentativa de evitar derivas nacionais, de disciplinar os Estados mais criativos ou com burocracias menos experientes, com a possibilidade de triplicar a duração semestral da Presidência semestral dos poderosos. No anterior trio (2008-2009) nem a República Checa (ferozmente contra novas competências da UE e até contra o exercício das existentes) nem a Suécia (que tem sempre uma solução “sueca” para os problemas alheios) foram particularmente sensíveis ao imperialismo programático francês.

A Comissão Europeia tende a confundir a sua agenda política com a da República Francesa. O fenómeno agudiza-se durante a Presidência francesa do Conselho da UE. Desta vez não será diferente. Pouco antes da meia-noite do dia 31 de Dezembro de 2021 a Comissão propôs, para efeitos de taxonomia dos financiamentos chancelados como ambientalmente sustentáveis, a classificação como verdes das centrais eléctricas alimentadas a gás natural e a energia nuclear. A prenda natalícia atrasada é ainda maior na medida em que a classificação verde das centrais a gás natural depende do cumprimento de limites de emissão de CO2 por MW produzido que não são atingíveis com a tecnologia actualmente disponível. A alegria em Paris está já a ser temperada pelas críticas do novo Governo alemão.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990