No segundo inverno da pandemia, a medicina intensiva nos hospitais do SNS tem mais capacidade de resposta do que em março de 2020, mas ainda não foi atingida a média de camas da União Europeia, que se situa em 9 a 10 camas por cada 100 mil habitantes e implicaria haver 900 a mil camas aptas a funcionar na rede de referenciação nacional no SNS. O balanço é feito ao i por José Artur Paiva, presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, que sublinha que na situação atual é importante transmitir à população que existe capacidade de resposta quer para doentes com covid-19 quer para doentes não covid, sendo hoje a ocupação maior do lado da doença não covid-19. O médico defende no entanto que é necessário prosseguir o trabalho de reforço da capacidade de resposta de Medicina Intensiva, explicando que há obras ainda em curso mas também camas que poderiam aumentar a capacidade e não podem abrir por carência de recursos humanos, porque a formação de médicos e enfermeiros em Medicina Intensiva é um processo longo e também devido a taxas de absentismo mais elevadas, que associa ao desgaste provocado por quase dois anos de resposta à pandemia, por situações de isolamento e assistência à família. “Existe alguma capacitação dos hospitais ainda em curso que nos poderá levar para as 900 e poucas camas, mas existe também capacidade instalada que não está a funcionar por carência de recursos humanos”, explica o médico do Hospital de São João. “Aquilo que era a recomendação no colégio e da task-force de Medicina Intensiva não foi atingido, ficámos aquém, e penso que deveremos procurar fazê-lo”, apela, sublinhando a importância de os investimentos em infraestruturas serem acompanhados do pessoal necessário. No setor privado existem camas de UCI, mas a capacidade é ainda reduzida, diz José Artur Paiva, e a rede de referenciação nacional está organizada no SNS.
“Deve haver elasticidade na gestão de recursos” Numa altura em que, do lado da doença covid, a necessidade de internar doentes em UCI se mantém estável, José Artur Paiva explica que há mais internados em cuidados intensivos por outras doenças e defende que por isso deve haver elasticidade na gestão de recursos. Ao todo, das cerca de 860 camas de UCI ativas, cerca de 250 estão alocadas à covid-19, com as restantes alocadas às outras doenças. No caso das camas reservadas para a covid-19, a ocupação varia de 60% a 70% consoante os serviços, sendo que nas camas reservadas para doentes não covid-19, a maioria, a ocupação ronda atualmente 75% a 80%, diz o médico. Sem o aumento da capacidade, a folga já seria assim menor. José Artur Paiva sublinha que na análise da situação e pressão sobre os hospitais é preciso ter presente que aumentou a capacidade de resposta mas também a procura: “A procura é a dos outros invernos mais a covid-19, por isso é maior. Temos uma doença nova e não eliminámos nenhuma das outras. Não conseguimos esse milagre. No ano passado conseguimos eliminar a gripe, este ano ainda não atingimos níveis de atividade gripal como noutros anos mas está a haver atividade gripal”, diz, defendendo que é no equilíbrio da resposta a todos os doentes que precisam de suporte de vida que é feita a alocação de camas. Assim, se houver menos necessidade de camas para doentes com covid-19, pode ampliar-se a resposta para doentes não covid-19, uma gestão que diz ser feita diariamente pelos serviços. O objetivo é evitar uma situação em que é preciso suspender atividade não urgente para ampliar alas de doentes críticos para zonas de medicina e blocos operatórios, como aconteceu no último inverno. Entre covid e não covid, chegou a haver 1400 doentes críticos hospitalizados em simultâneo, o que nunca tinha acontecido.
Questionado sobre a proposta da equipa da pneumologista Raquel Duarte sobre usar-se como indicador de agravamento da situação epidemiológica uma ocupação de UCI acima de 70% da atual linha de alerta, definida nas 255 camas reservadas à covid-19, o médico ressalva que a ocupação depende a cada momento das camas dedicadas a covid e não covid que pode ser necessário alterar ao longo do tempo, defendendo antes a necessidade de manter a monitorização da pressão sobre os serviços de saúde ao mesmo tempo que se tenta equilibrar a necessidade de socialização com a maior transmissão, impacto na saúde pública e familiar e absentismo. “Aumentando a pressão hospitalar, será necessário pensar em respostas adaptativas do sistema de saúde e os hospitais têm planos de contingência para o fazer”, diz.