2021 chega ao fim e como é tradição deixa um rasto que seria difícil de traçar nas múltiplas antevisões que dele foram feitas. Entre as muitas marcas fortes do ano que agora termina, a vacinação, que foi também o seu cartão de visita, revelou-se um sucesso de concretização em Portugal, embora não tenha sido uma solução plena para a pandemia e uma crise política atípica assolou o país e faz com que tenhamos que iniciar o novo ano em plena pré-campanha para eleições legislativas antecipadas.
Num tempo de mudança de calendário, em que se fazem balanços e prognósticos e se escolhe o melhor e o pior do ano que se fina nas mais diversas atividades e setores, e anda cantarolado de máscara em máscara um spot publicitário de elevado grau de transmissibilidade produzido por uma das grandes cadeias de distribuição portuguesas, há uma frase que não de sai da cabeça. Trata-se da cândida afirmação da Coordenadora Nacional do Bloco de Esquerda de que para recuperar da pandemia o país precisa de uma maioria de esquerda. Pois precisa e se precisa, o momento em que Catarina carregou o botão que fez implodir essa maioria e a colocou sob prova eleitoral antes dos timings democraticamente previstos, ficará para a história como o mais caricato e menos avisado momento político de 2021.
Mas tendo o escorpião mordido a rã que supostamente ajudava a atravessar a tormenta, abriu-se uma oportunidade para ajustar políticas e modelos de governação, insuflar a esperança duma recuperação através de um programa de esquerda, combinando sensibilidade social com credibilidade orçamental e uma forte infusão de modernidade e inovação nos processos, nas relações de confiança e nas metodologias para que os recursos que vamos aplicar respondam ao que as pessoas precisam e sejam capazes de as mobilizar para uma nova etapa da nossa vida coletiva.
Depois das ventanias populistas, correm agora de feição pela Europa e pelo mundo os ventos da social democracia adaptada aos desafios da transição verde e digital. É esse o caminho que com maior ou menor fragmentação do voto, Portugal também tem tudo a ganhar em prosseguir, pondo em prática uma aliança de nova geração com os portugueses, menos focada nas siglas e mais na vontade coletiva de gerar uma plataforma maioritária para recuperar e atingir um novo patamar de desenvolvimento sustentável.
Uma aliança pela confiança e contra o medo das mudanças estruturais que os novos desafios económicos e sociais exigem. Uma aliança pela concretização e contra o atavismo burocrático e as culturas menos amigas do risco e do empreendedorismo. Uma aliança pela valorização do trabalho qualificado e contra os resquícios de ideias perdedoras como a da competição pelos baixos salários e a resignação aos subcontratos e ao frágil controlo das cadeias de valor.
A má noticia é que começamos o ano com mais um fator de incerteza a somar aos muitos que a saúde, a economia e a geopolítica global nos oferecem. A boa noticia é que temos a oportunidade de escolher e poder recuperar, confiando numa esquerda revigorada, mais entrosada com a sociedade civil e mais preparada para conduzir o país a bom porto, no ano que se anuncia.
Eurodeputado do PS