Carlos Marín. Uma voz que “alimentava” o mundo

Carlos Marín. Uma voz que “alimentava” o mundo


Uma carreira de 45 anos, uma voz que parece soar à divindade dos céus, um sorriso no rosto e uma elegância singular. Pode ser desta forma descrito Carlos Marín, membro do quarteto Il Divo, que morreu no passado domingo, aos 53 anos. Agora, não sabemos ao certo o que acontecerá à banda. Contudo, os marcos…


Há quem acredite que a música é, de todas as artes, a mais direta. Entra no ouvido, “viaja” até ao coração e manifesta-se na alma. Talvez seja também por isso que há quem diga que esta possui um cariz quase “terapêutico”, acompanhando-nos nos momentos mais felizes ou, por outro lado, mais dolorosos da vida. Ao acreditarmos nesta premissa, não será difícil ligá-la ao quarteto musical multinacional, Il Divo, que, agora, perdeu um dos seus membros. O cantor espanhol, Carlos Marín, morreu no passado domingo, aos 53 anos, deixando o eco da sua poderosa e calorosa voz a pairar, tanto em todos os sítios por onde passou, como na cabeça de todos aqueles que acompanharam a sua longa carreira.

Ao pensarmos na banda – que em palco nos “transportava” para outra dimensão, dando a ideia de que estaríamos diante de algo grandioso e até mesmo místico – viajamos até um dos seus concertos mais marcantes, no Coliseu de Roma, em 2008. E não é necessário lá ter estado para perceber a atmosfera que os quatro amigos e colegas criavam. Fazia-se silêncio, não se ouvia uma única respiração, de forma a não se perder nem uma única nota. Era esse o efeito que criavam. Agora, faz-se silêncio para lembrá-lo, para agradecer a marca que deixou na música lírica que misturou com muitos outros géneros.

Carlos Marín, era o elemento mais velho da banda que vestia quase sempre Armani. Os fatos escuros, juntamente com os olhares românticos (já que este era o tema predominante nas canções da banda) eram duas das suas características. A notícia da morte foi avançada pela própria banda nas redes sociais.”É com o coração pesado que informamos que o nosso amigo e colega, Carlos Marín, faleceu. Nunca mais haverá outra voz ou espírito como os do Carlos”, pode ler-se na publicação do quarteto no Twitter.

Ainda que a causa da morte não seja conhecida, a imprensa britânica está a avançar que o cantor sofreu complicações respiratórias relacionadas com a covid-19.

Marín estava internado na Unidade de Cuidados Intensivos (UTI) do Manchester Royal Hospital, no Reino Unido, desde 8 de dezembro, entubado e em coma induzido. O cantor, que se encontrava em digressão pela Inglaterra, começou a sentir-se mal na véspera, o que o obrigou a ser hospitalizado e a suspender o concerto marcado na Corunha na próxima quarta-feira, segundo fontes da sua gravadora, a Universal Music. Na quinta-feira, a promotora dos concertos agendados para este domingo, em Lisboa, e para segunda-feira em Gondomar, já havia anunciado o seu adiamento para julho de 2022, “por motivos de saúde”.

Quem era Carlos Marín? Marín nasceu em Rüsselsheim, Alemanha, em 1968. Filho de pais espanhóis, mudou-se com a família para Madrid aos 12 anos. Já nessa idade e com nacionalidade espanhola, falava inglês, francês, espanhol e alemão. Mas o seu “dom” foi descoberto mais cedo… Aos oito anos, o jovem Carlos já era barítono – voz masculina intermediária, que se encontra entre as extensões vocais de baixo e tenor, uma voz mais grave e aveludada – tendo gravado, nessa idade, o seu primeiro álbum, produzido por Vader Abraham (nome artístico do produtor e compositor Pierre Kartner), apelidado de A Little Caruso. Ainda aos 8 anos Marín atuou para uma plateia de 700 pessoas e, dois anos depois, via publicado o seu segundo álbum chamado Mijn Lieve Mama. Os dotes para a música fizeram-no começar a estudar piano e solfejo – arte de saber ler as notas que estão numa pauta seguindo as respetivas alturas e ritmos anotados numa partitura – e, mais tarde, destacou-se no programa de talentos da TVE, Gente Joven, onde saiu vencedor duas vezes: aos 15 e aos 19 anos. Durante esse tempo, o jovem também começou a cantar em programas de TV ao vivo, acompanhado por uma orquestra.

Não foi preciso muito tempo até que este fosse visto como “um importante intérprete musical, cultivando diferentes géneros musicais e recebendo excelentes críticas”. Posteriormente, trabalhou numa publicidade de Jesús Hermida para a televisão e, mais tarde, fez carreira também como ator em musicais como Los miserables, em 1993, La bella y la bestia, ou Peter Pan, projeto onde dividia igualmente as funções de direção musical com Alberto Quintero. Nesses anos, “migrou” também para os grandes palcos de ópera, participando em espetáculos como La Traviata, La Bohème, Lucia di Lammermoor e Madame Butterfly.

Il Divo O grupo Il Divo, foi fundado por Simon Cowell, seguindo o desejo de criar um quarteto lírico integralmente masculino para interpretar canções míticas. A história da fundação do grupo apresenta duas versões: em 2005, numa entrevista à revista canadiana Elle, o próprio Carlos Marín contava que a ideia surgiu depois de Cowell, especialista na construção de projetos musicais comerciais como One Direction, Westlife, Demi Lovato e júri de talentos em programas internacionais como X Factor ou Got Talent, ter assistido a uma apresentação dos Los Tres Tenores na televisão, união de Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo. A outra versão contada pelo próprio Cowell no mesmo ano, durante o programa norte-americano Today, contou que a ideia surgiu após assistir a um episódio dos Sopranos onde a esposa de Tony Soprano, Carmela, estava a ouvir a música ‘Con te partirò’ – clássica canção italiana crossover, escrita por Francesco Sartori e Lucio Quarantotto.

Cowell sabia que daria certo. O mundo precisava de uma nova “visão para vozes líricas e música clássica”, e, por isso, decidiu formar um quarteto multinacional (com membros oriundos da Espanha, Suíça, França e Estados Unidos), que combinaria música clássica com pop. Essa união resultou de uma busca mundial, que durou dois anos (de 2001 até dezembro de 2003), por jovens cantores que estivessem dispostos a embarcar no projeto do Il Divo. E encontrou-os… O suíço Urs Bühler, o francês Sébastien Izambard, o americano David Miller e o espanhol Carlos Marín. Apesar do grupo ter sido recebido com indiferença nos círculos da música clássica, por outro lado, foi recebido com simpatia pelo público em geral.

Ao todo lançou sete álbuns de estúdio, vendendo mais de 30 milhões de cópias em discos em todo o mundo e mais de 160 discos de ouro e platina em 35 países, estabelecendo assim uma “revolução na música”: o crossover clássico ou pop operático, um género musical que mistura elementos de estilo clássico com música pop. Carlos Marín era barítono, Urs Bühler e David Miller, dois tenores de formação clássica e Sébastien Izambard, cantor pop. Cowell, batizou o grupo como Il Divo, em italiano “Artista Divino”. Além da música, os membros do Il Divo são também conhecidos pela sua imagem refinada e elegante, com um toque inovador, vestidos sempre com a etiqueta da Giorgio Armani.

A solo, e no ano passado, o barítono editou o disco intitulado Portrait, no qual criou uma versão de Bohemian Rhapsody dos Queen juntamente com a sua ex-mulher a cantora francesa Geraldine Larrosa, que é artisticamente conhecida como Innocence. O casal conheceu-se enquanto trabalhava no musical Les Misérables e, após o divórcio, continuaram a colaborar profissionalmente, Marín foi o produtor de várias canções de Larrosa.

Ao longo da sua carreira, o artista fez o possível para deixar claro que o nome do grupo nunca retratou a sua personalidade. “Não sou um ‘divo’ presunçoso, mas sim um tipo muito normal”, repetia a cada entrevista dada.

Simon Cowell foi um dos primeiros a reagir à partida do cantor espanhol, mostrando-se destroçado: “Estou a achar muito difícil colocar em palavras como me sinto agora.

“Estou arrasado pelo Carlos Marin ter falecido. Ele amava a vida. Sempre adorou atuar e sempre teve muito apreço pelos fãs que apoiaram o grupo desde o primeiro dia. Descansa em paz Carlos. Sentirei a tua sua falta!”, partilhou nas suas redes sociais.

Os Il Divo apresentaram-se oito vezes em Portugal – sempre com salas completamente esgotadas – e iam regressar com um espetáculo de celebração do Natal para decorrer este domingo, na Altice Arena, em Lisboa, e segunda-feira, no Multiusos de Gondomar, adiados na quinta-feira para 24 e 23 de julho de 2022, respetivamente. Agora, não sabemos qual será o destino da banda, mas esperemos que do céu, continue a ecoar a voz que arrepiava muitos e fazia viajar tantos outros.