A corrupção da autoridade científica e as suas nefastas consequências


As afirmações aparentemente dissonantes de muitos especialistas e a consequente formação de correntes de opinião pública baseadas nas suas leituras superficiais produzem um efeito que, creio, aqueles não desejam de todo:  a crise de autoridade da ciência e dos que a cultivam com honestidade intelectual, rigor e real conhecimento.


Os momentos de glória que muitos médicos e especialistas em assuntos de saúde e, mais concretamente, nas matérias que respeitam à atual pandemia, ganham com a presença constante nos noticiários podem, mais do que contribuir para a informação e formação dos cidadãos, concorrer, antes, para desacreditação da ciência e, assim, para o reforço das teses negacionistas.

Como é natural, nem todas as opiniões científicas coincidem: sempre assim aconteceu.

Contudo, nem todas se contradizem tanto, como, à primeira vista, parece resultar dos depoimentos curtos e meramente impressivos que, por norma, são divulgados pelos media.

Tais concordâncias e divergências e, acima de tudo, o seu significado científico não estão, porém, ao alcance fácil da maioria dos ouvintes, espetadores e leitores dos jornais.

Por maior que seja hoje a informação ao alcance da generalidade da população, a interpretação dos dados científicos e das opiniões dos especialistas não é fácil e completamente alcançável por todos.

O facto de muitos cidadãos terem já hoje – e felizmente – conhecimentos que lhes permitem aceder, mesmo que perfunctoriamente, a um conjunto de matérias não os transforma, por isso, em especialistas nos assuntos que são, apressada e vagamente, discutidos nos media.

Tal saber – a ciência – só se obtém com o estudo metódico e orientado que formou os verdadeiros profissionais das disciplinas em causa e que os mantém, ou devia manter, atualizados.

Por essa razão, as afirmações aparentemente dissonantes de muitos especialistas e a consequente formação de correntes de opinião pública baseadas nas suas leituras superficiais produzem um efeito que, creio, aqueles não desejam de todo:  a crise de autoridade da ciência e dos que a cultivam com honestidade intelectual, rigor e real conhecimento.

Se à aparente cacofonia científica que nos é oferecida hoje pelos media acrescentarmos as constantes e, quanto ao seu sentido cívico último, as nunca muito bem justificadas intervenções de instituições corporativas de utilidade pública do setor, tudo se conjuga para que o nosso país comece a seguir o caminho que vemos ser percorrido, perigosamente, em outras partes do mundo.

Todo esse ruído, contribui, de facto, não para credibilizar os que assim agem, mas para erodir a sua autoridade social.

Tal autoridade é hoje bem necessária para que a sociedade enfrente com serenidade e confiança os desafios da pandemia.

A perda de autoridade das instituições, sejam elas diretamente estatais, desempenhem elas funções públicas de controlo e regulação profissional autónomas, contribui decisivamente para a erosão do regime democrático e para o engrandecimento dos que nele não se reveem.

Este fenómeno de erosão da autoridade da ciência, que agora atinge o meio da medicina, não é novo e feriu já outros setores e instituições com efeitos total e comprovadamente deletérios.

O ensino público e a função escolar em geral – e os que o exercem – sofreram já tal desautorização de forma determinante.

A Justiça – cuja temática é apenas aparentemente acessível a todos – é, desde há muito, corroída diariamente pelas intervenções de tudólogos e mesmo de alguns profissionais que, parecendo falar de cátedra, revelam, as mais das vezes e apenas, ignorância atrevida.

Da política, nem vale apena falar: a desinformação campeia e corrói todos os dias o que deveria ser uma atividade nobre e realizada em benefício do bem comum.

Num livro que já aqui citei – La Trahison des Élites Allemandes (1770-1945) – anotava-se já, na transição do século XIX para o século XX, o debate que ocorreu na Alemanha a propósito da criação e disseminação de uma cultura superficial generalizada e do que ela poderia, em vez de acrescentar conhecimento útil, contribuir para arruinar a autoridade da verdadeira ciência.

Essa discussão foi tida num contexto absoluta e socialmente elitista e num confronto artificial entre a importância de educar em massa e a necessidade de apurar cada vez mais a cultura e a ciência de alguns estratos sociais desse país.

Na altura, não se conheciam, porém, ainda, os perigos das redes sociais e os riscos da correlativa falta de intermediação profissional na difusão de factos e opiniões que nelas ocorre.

Hoje, observando, no entanto, o que se passa apenas na Europa, devemos reavaliar, em termos novos, os contornos de tal debate – não para elitizar o conhecimento, claro – mas para que mais e mais informação não se converta em pior informação e, assim, em mais degradada formação dos cidadãos.

A erosão da autoridade do verdadeiro saber não significa, necessariamente, reforço da democracia e pode, inclusive, contribuir para o fortalecimento do autoritarismo, que se vislumbra crescer em diversos, inesperados e cada vez mais amplos contextos da nossa sociedade.

O autoritarismo apoia-se, sobretudo, na irracionalidade e impotência gerada pela incapacidade de análise séria dos problemas; age, pois, contra a ciência e o verdadeiro saber.

É importante, por isso, que os que, por mero oportunismo, andam hoje, no jornalismo, na política, nas instituições corporativas e, em geral, na sociedade a atear pequenas, mas quotidianas, fogueiras contra a autoridade da ciência e dos que, denodadamente, a servem, não se esqueçam do que acontece com os incontroláveis fogos de Verão.

 

 

 

A corrupção da autoridade científica e as suas nefastas consequências


As afirmações aparentemente dissonantes de muitos especialistas e a consequente formação de correntes de opinião pública baseadas nas suas leituras superficiais produzem um efeito que, creio, aqueles não desejam de todo:  a crise de autoridade da ciência e dos que a cultivam com honestidade intelectual, rigor e real conhecimento.


Os momentos de glória que muitos médicos e especialistas em assuntos de saúde e, mais concretamente, nas matérias que respeitam à atual pandemia, ganham com a presença constante nos noticiários podem, mais do que contribuir para a informação e formação dos cidadãos, concorrer, antes, para desacreditação da ciência e, assim, para o reforço das teses negacionistas.

Como é natural, nem todas as opiniões científicas coincidem: sempre assim aconteceu.

Contudo, nem todas se contradizem tanto, como, à primeira vista, parece resultar dos depoimentos curtos e meramente impressivos que, por norma, são divulgados pelos media.

Tais concordâncias e divergências e, acima de tudo, o seu significado científico não estão, porém, ao alcance fácil da maioria dos ouvintes, espetadores e leitores dos jornais.

Por maior que seja hoje a informação ao alcance da generalidade da população, a interpretação dos dados científicos e das opiniões dos especialistas não é fácil e completamente alcançável por todos.

O facto de muitos cidadãos terem já hoje – e felizmente – conhecimentos que lhes permitem aceder, mesmo que perfunctoriamente, a um conjunto de matérias não os transforma, por isso, em especialistas nos assuntos que são, apressada e vagamente, discutidos nos media.

Tal saber – a ciência – só se obtém com o estudo metódico e orientado que formou os verdadeiros profissionais das disciplinas em causa e que os mantém, ou devia manter, atualizados.

Por essa razão, as afirmações aparentemente dissonantes de muitos especialistas e a consequente formação de correntes de opinião pública baseadas nas suas leituras superficiais produzem um efeito que, creio, aqueles não desejam de todo:  a crise de autoridade da ciência e dos que a cultivam com honestidade intelectual, rigor e real conhecimento.

Se à aparente cacofonia científica que nos é oferecida hoje pelos media acrescentarmos as constantes e, quanto ao seu sentido cívico último, as nunca muito bem justificadas intervenções de instituições corporativas de utilidade pública do setor, tudo se conjuga para que o nosso país comece a seguir o caminho que vemos ser percorrido, perigosamente, em outras partes do mundo.

Todo esse ruído, contribui, de facto, não para credibilizar os que assim agem, mas para erodir a sua autoridade social.

Tal autoridade é hoje bem necessária para que a sociedade enfrente com serenidade e confiança os desafios da pandemia.

A perda de autoridade das instituições, sejam elas diretamente estatais, desempenhem elas funções públicas de controlo e regulação profissional autónomas, contribui decisivamente para a erosão do regime democrático e para o engrandecimento dos que nele não se reveem.

Este fenómeno de erosão da autoridade da ciência, que agora atinge o meio da medicina, não é novo e feriu já outros setores e instituições com efeitos total e comprovadamente deletérios.

O ensino público e a função escolar em geral – e os que o exercem – sofreram já tal desautorização de forma determinante.

A Justiça – cuja temática é apenas aparentemente acessível a todos – é, desde há muito, corroída diariamente pelas intervenções de tudólogos e mesmo de alguns profissionais que, parecendo falar de cátedra, revelam, as mais das vezes e apenas, ignorância atrevida.

Da política, nem vale apena falar: a desinformação campeia e corrói todos os dias o que deveria ser uma atividade nobre e realizada em benefício do bem comum.

Num livro que já aqui citei – La Trahison des Élites Allemandes (1770-1945) – anotava-se já, na transição do século XIX para o século XX, o debate que ocorreu na Alemanha a propósito da criação e disseminação de uma cultura superficial generalizada e do que ela poderia, em vez de acrescentar conhecimento útil, contribuir para arruinar a autoridade da verdadeira ciência.

Essa discussão foi tida num contexto absoluta e socialmente elitista e num confronto artificial entre a importância de educar em massa e a necessidade de apurar cada vez mais a cultura e a ciência de alguns estratos sociais desse país.

Na altura, não se conheciam, porém, ainda, os perigos das redes sociais e os riscos da correlativa falta de intermediação profissional na difusão de factos e opiniões que nelas ocorre.

Hoje, observando, no entanto, o que se passa apenas na Europa, devemos reavaliar, em termos novos, os contornos de tal debate – não para elitizar o conhecimento, claro – mas para que mais e mais informação não se converta em pior informação e, assim, em mais degradada formação dos cidadãos.

A erosão da autoridade do verdadeiro saber não significa, necessariamente, reforço da democracia e pode, inclusive, contribuir para o fortalecimento do autoritarismo, que se vislumbra crescer em diversos, inesperados e cada vez mais amplos contextos da nossa sociedade.

O autoritarismo apoia-se, sobretudo, na irracionalidade e impotência gerada pela incapacidade de análise séria dos problemas; age, pois, contra a ciência e o verdadeiro saber.

É importante, por isso, que os que, por mero oportunismo, andam hoje, no jornalismo, na política, nas instituições corporativas e, em geral, na sociedade a atear pequenas, mas quotidianas, fogueiras contra a autoridade da ciência e dos que, denodadamente, a servem, não se esqueçam do que acontece com os incontroláveis fogos de Verão.