Omicron. “Avalanche de casos está no horizonte”

Omicron. “Avalanche de casos está no horizonte”


Alertas do Reino Unido, onde a nova variante já é dominante em Londres, preocupam peritos ouvidos pelo i, que admitem vantagem nacional na cobertura vacinal mas dizem que é preciso definir regras para quem viaja de zonas de maior circulação num período de chegada de emigrantes e como se lidará com casos.


A declaração de que a nova variante Omicron já é dominante em Londres, podendo atingir hoje 50% dos novos casos, fez ontem soar os alertas, com as estimativas nacionais a apontar para 200 mil infeções diárias atualmente no Reino Unido. Numa altura em que os sinais são de que a nova variante parece associada a sintomas mais ligeiros do que a Delta, Boris Johnson disse que é preciso pôr de lado a ideia de que a Omicron é mais benigna e focar na rapidez com que se estão a multiplicar os contágios no país. No dia anterior, já o ministro da Educação britânico Nadhim Zahawi tinha colocado o cenário nestes termos: “Vamos fazer um pequeno exercício de matemático: chegamos a um milhão de infeções, digamos, no final de dezembro. 1% são 10 mil casos graves que poderão estar no hospital. Três dias depois são dois milhões, três dias depois são quatro milhões, três dias mais tarde são oito milhões. Este é o risco, mesmo que seja mais ligeira, vamos dizer 50% mais ligeira do que a Delta, quando os números são grandes, é uma pequena percentagem de uma população muito grande”, declarou no domingo.

Ao i, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes concorda que esta é uma mensagem importante num momento de incerteza, em que a maior transmissibilidade da nova variante parece ser o único elemento fechado. “Que tem uma transmissibilidade tremenda, já se percebeu. Quanto a características clínicas na nossa população com elevada cobertura vacinal mas também mais envelhecida, não sabemos se será idêntica ao que se viu na África do Sul, em que há uma população mais jovem e muita imunidade adquirida em infeção natural. Temos de esperar uma, duas semanas. Agora vamos imaginar o melhor cenário, em que a Omicron é pouco patogénica e de um modo geral causa uma percentagem de hospitalizações significativamente inferior à Delta”, diz o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Se isso acontecer, a médio prazo podemos ser todos imunizados pela Omicron de um modo natural e pode até ser o fim da pandemia, não sabemos. Mas apesar de ser menos patogénica do que a Delta, o que estamos a ver é que os números de infeções podem crescer rapidíssimo como uma avalanche de casos. E quando estamos a trabalhar com uma percentagem pequenina de casos graves num número massivo de infeções num curto espaço de tempo, isto pode gerar uma pressão hospitalar tremenda, sobretudo quando sabemos que estamos no inverno e a pressão já é por norma grande”.

A probabilidade de o país se confrontar com essa avalanche de casos nas próximas semanas é “muito alta”, alerta. “Ninguém pode ter certezas. O Reino Unido espera-o na segunda quinzena de dezembro, diria que está no horizonte algumas semanas à nossa frente”, diz o epidemiologista, que sublinha que para ter uma melhor perceção será necessário perceber até que ponto a variante já circula em Portugal.

Hoje saem novos dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, mas a sequenciação tem sempre um desfasamento de uma semana (serão divulgados dados até 4 de dezembro). Na semana passada já tinham sido detetados casos esporádicos na região Centro e fontes ouvidas pelo i não apontam para uma circulação comunitária, mas a experiência no Reino Unido, onde agora a estimativa é de que a nova variante represente 20% dos casos, mostra que há uma semana eram uma fração disso. Há um outro elemento que torna difícil tirar conclusões: os países que têm reportado mais casos da nova variante – além do Reino Unido, a Dinamarca e a Noruega – são os que têm programas de sequenciação mais abrangentes. “Por um lado, vamos poder ver que dados chegam desses países com maior circulação em termos de hospitalizações e severidade”, nota Carmo Gomes, considerando no entanto que se a circulação noutros países europeus já estiver a caminhar para patamares semelhantes aos do Reino Unidos, é como querer “parar o vento com as mãos”, sendo necessário manter as medidas atualmente em vigor e sensibilizar para o risco acrescido de contágio pela frente no período do Natal e chegada de emigrantes.

Sem regras para quem viaja do Reino Unido Para já, Londres é a primeira capital europeia onde foi declarado o predomínio da Omicron sobre a Delta, que até aqui tinha tido este comportamento na África do Sul. 
O i tentou perceber junto do Governo e da DGS se, dado este anúncio, serão revistas as medidas para quem chega do Reino Unido em linha com as que estão em vigor para viajantes de sete países da África Austral desde o final de novembro, sujeitos a isolamento de 14 dias à chegada a Portugal, mas não teve resposta. 

Para Carmo Gomes, o fecho de fronteiras não é uma medida adequada, mas considera importante manter a vigilância e  incentivar a testagem como se fez para quem chegou de África austral. 

Ao i, o vice-presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, defende que por uma questão de equidade faria sentido estender a regra de isolamento de 14 dias aplicada aos países africanos ao Reino Unido e outros países europeus com maior circulação da variante, aguardando a definição de regras, mas sublinha que à medida que a Omicron se torne dominante, esse tipo de medidas deixarão de ser eficazes, sendo necessário reforçar as medidas de proteção a nível nacional.

Com a expectativa de que a elevada cobertura vacinal em Portugal, superior em mais de 10 pontos percentuais à do Reino Unido (69% contra 86%) – a par do reforço e da vacinação das crianças – ajude a desacelerar o crescimento de casos mesmo perante a variante Omicron, Gustavo Tato Borges sublinha que se o país se vier a confrontar com um cenário de aumento exponencial de casos, mesmo que mais benignos, será necessário reorganizar o trabalho das equipas de saúde pública, que não terão capacidade para lidar com dezenas de milhares de infeções por dia. 

Mesmo atualmente, revelou o último relatório de linhas vermelhas da DGS, já não são rastreados os contactos em todos os casos: na última semana foram-no em 68% dos casos quando no final de novembro a percentagem rondava os 81%. “Sabemos que a Omicron vai ser dominante, não é realista pensar o contrário. Se tivermos um aumento de casos dramático, penso que teremos de começar a valorizar muito mais os casos sintomáticos e rastrear contactos desses casos e reduzir vigilância de casos assintomáticos, de outra forma não vamos ter força de trabalho suficiente para dar resposta a tudo”, alerta Gustavo Tato Borges.