Podia tocar contrabaixo, guitarra, kazoo, melódica, piano, marimba ou mellotron. Pedro Gonçalves, músico português, morreu este sábado, em Lisboa, aos 51 anos, vítima de um cancro que o acompanhava há anos. Formou com Tó Trips os Dead Combo e será recordado como um dos mais talentosos e influentes músicos portugueses do presente século, mas também um dos mais porreiros.
“Parece estranho e, ao mesmo tempo, terrível falar do Pedro no passado. O Pedro era bom e generoso, o Pedro era um excelente músico, ousado e original, o Pedro levou a vida, mesmo na doença, com uma espécie de semi-sorriso, aberto ao presente e ao futuro possível. E os verbos do futuro vieram ter com ele depressa demais”, escreveu no Facebook Sérgio Godinho, com quem Pedro Gonçalves colaborou nos discos Domingo no Mundo (1997) e Lupa (2000).
“Lembro-me sempre do tempo em que tocou comigo e com a banda, e as nossas recordações comuns eram terra fértil para as plantas perenes da amizade. ‘Perene’ é agora uma palavra quase cruel, face a tudo que ele nos deu a todos. Fará falta a muita gente, e outros sabê-lo-ão melhor”, confessou o músico.
Pedro Gonçalves nasceu em 1970 e formou-se como músico na Escola de Jazz do Hot Clube de Portugal. Entre o final da década de 1990 e o virar do século, o músico formou um quinteto musical e colaborou em discos de alguns dos maiores projetos nacionais, desde o supracitado Sérgio Godinho, aos Xutos e Pontapés, GNR, Tiago Bettencourt, Legendary Tigerman, Aldina Duarte, Rita Redshoes ou Mazgani.
No entanto, o seu nome ficaria eternizado nos anais da música portuguesa, assim como a sua postura e estilo, alto, esguio e os inseparáveis óculos escuros, em 2003, quando, juntamente com Tó Trips, criaram os Dead Combo.
Tudo aconteceu depois de um concerto do americano Howe Gelb, os dois músicos estavam a caminhar juntos para casa e Tó Trips, que tinha sido convidado pelo radialista Henrique Amaro para fazer uma homenagem ao lendário guitarrista Carlos Paredes, perguntou a Pedro Gonçalves se este não gostava de “emprestar” os seus dotes no contrabaixo a este projeto, juntando assim as primeiras peças do puzzle que formaria os Dead Combo.
Juntos, inspirados pela sua participação no filme Sudwestern, de Edgar Pêra, os dois músicos adotaram personagens misteriosas que pareciam saídas de um filme noir americano, Pedro Gonçalves um mafioso e Tó Trips um cangalheiro, e gravaram Vol. 1 (2004), Quando a Alma Não É Pequena Vol. II (2006), Lusitânia Playboys (2008), Lisboa Mulata (2011), A Bunch of Meninos (2014) e Odeon Hotel (2018), que conta com uma das mais influentes vozes do movimento grunge, Mark Lanegan, que fez parte de bandas como Screaming Trees ou os Queens of the Stone Age, e que chegou a atuar com o grupo no Festival Paredes de Coura, em 2018.
O contrabaixista lutava contra um cancro há cerca de três anos, o que levou a banda a anunciar o seu fim, em 2019, que devia ser celebrado com uma tour de diversos concertos, no entanto, no mês passado, a banda cancelou os 15 concertos de despedida que tinha agendados devido ao agravamento do estado de saúde do contrabaixista.
Os Dead Combo deixam um legado profundo na música portuguesa moderna, com uma linguagem que, através da mistura de estilos portugueses, como o fado, com linguagens internacionais, que vão desde a música western, blues, jazz, tango, morna, funaná ou rumba, oferece uma identidade única, que não só ilustra a sua cidade, Lisboa, e nacionalidade, mas que acima de tudo identifica o som inimitável do o grupo criado por Pedro Gonçalves e Tó Trips.